A recente decisão que favoreceu a cooperativa Cotribá traz um déjà-vu jurídico no agro brasileiro. A vedação expressa da Lei 11.101/2005 às cooperativas lembra, com inquietante semelhança, o cenário inicial do caso Pupin, quando também se afirmava ser “impossível” a recuperação judicial de produtor rural sem dois anos de registro formal. À época, o que parecia inviável tornou-se precedente. Hoje, o entendimento não é só pacificado, mas já legislado.
No caso Cotribá, o juiz Eduardo Busanello optou por enxergar além da literalidade da lei. Reconheceu que a crise não é individual, mas sistêmica: atinge produtores, cooperativas, credores, tradings, instituições financeiras, cadeia de fornecimento e a própria arrecadação pública. Ao antecipar o stay period, o magistrado buscou proteger não apenas uma cooperativa, mas a lógica de preservação de valor coletivo, evitando o colapso fragmentado que penaliza toda a rede.
Importante frisar: não se trata de incentivo à recuperação judicial como estratégia ordinária de gestão. Trata-se de um alerta ao mercado. Quando a realidade fática é ignorada e o diálogo é substituído pela rigidez, os agentes recorrem às ferramentas disponíveis e, às vezes, à criatividade jurídica como mecanismo de sobrevivência.
E, reforçando essa ideia, a decisão também sinaliza um ponto realmente importante para o momento: o Judiciário começa a compreender que o agro não é apenas o produtor rural, mas um sistema interdependente, no qual a quebra de um elo compromete toda a engrenagem. Ignorar isso é insistir numa visão simplista de um setor que já opera em alta complexidade.
Pauliane Oliveira é advogada, empresária e comanda o escritório PO Advogados.


