Segundo advogada tributarista, medida pode mudar o rumo de postos de trabalho e faturamento no país.
O governo federal lançou o Plano Brasil Soberano, um pacote de socorro ao agro e à logística que chega em meio à pressão das tarifas impostas pelos Estados Unidos sobre o agronegócio brasileiro. Para muitas empresas a medida representa a chance de finalmente respirar um pouco mais aliviadas: a MP prevê prioridade na restituição de créditos tributários, adiamento do pagamento de impostos federais e até R$ 30 bilhões em crédito emergencial — medidas que podem destravar caixa e sustentar operações de frigoríficos, tradings e transportadoras. O impacto das tarifas e instabilidade em diversos setores foi imediato: frigoríficos registraram queda de 67% nas vendas para o mercado americano entre abril e junho, enquanto tradings de grãos revisam projeções de faturamento para baixo em bilhões de dólares.
O episódio expôs uma vulnerabilidade histórica: a dependência do agro brasileiro de mercados externos, somada à lentidão da máquina tributária, que faz com que empresas aguardem até 18 meses para reaver créditos fiscais. A MP 1.309 surge como uma tentativa de corrigir parte desse gargalo, oferecendo liquidez em semanas. Segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), o agronegócio respondeu por 29,4% do PIB em 2025, contra 23,5% no ano anterior, e gerou mais de R$ 3,7 trilhões em valor agregado. Só a soja movimentou US$ 42 bilhões em 2024 e a carne bovina, US$9,5 bilhões. O peso do setor ajuda a explicar por que a crise tarifária não se limita ao campo: quando o agro desacelera, o efeito se espalha para logística, consumo, arrecadação e até a inflação dos alimentos.
Para a advogada tributarista Carina Raubach, a medida representa um marco porque encurta prazos decisivos para o setor. “Empresas que aguardavam até 18 meses para recuperar créditos poderão ter acesso ao dinheiro em semanas. Isso significa salvar empregos, manter investimentos e evitar que o consumidor pague a conta com preços ainda mais altos”, afirma. Ela ressalta ainda que a previsibilidade é um ativo estratégico: “Garantir liquidez e amparo legal posiciona o agro brasileiro como parceiro confiável e resiliente, num momento em que a concorrência internacional é cada vez mais dura.”
Na logística, responsável por 64% do transporte de cargas e mais de 2 milhões de empregos, a pressão é clara. Após a criação de 113 mil vagas em 2024, os fretes agrícolas subiram até 12% em 2025 — em Mato Grosso, chegaram a 80% no semestre, puxados pelo diesel caro. O resultado foi queda de 12% nos embarques e perdas de R$ 2 bilhões, levando transportadoras a férias coletivas para conter custos. Nos frigoríficos, o risco é semelhante. O setor, que emprega 4,5 milhões de pessoas, exportou US$ 1 bilhão no primeiro semestre, mas pode perder o dobro até o fim do ano se as tarifas americanas se mantiverem. A dificuldade em direcionar volumes para China e Oriente Médio pressiona as margens e já levou empresas médias a projetar demissões em massa.
Exemplos práticos ajudam a dimensionar o impacto da MP. Uma transportadora com faturamento anual de R$ 500 milhões perdeu até R$ 50 milhões em 2024 por conta da alta de fretes e inadimplência. Com a nova medida, poderá recuperar R$ 10 milhões em caixa em poucas semanas, suficientes para recompor pagamentos, manter frota rodando e evitar cortes de pessoal. Um frigorífico médio, com receita de R$ 1 bilhão, pode destravar R$ 100 milhões em liquidez via diferimento tributário, preservando 2 mil empregos diretos, assegurando o pagamento a fornecedores e garantindo continuidade da produção.
Impacto imediato – O impacto da crise tarifária e logística não se restringe às empresas: ele já chegou ao bolso da população. Entre abril de 2024 e abril de 2025, o preço da cesta básica subiu de 3,9% a 10,5% em 15 capitais. Em São Paulo, o valor alcançou R$ 909,25, consumindo mais de 64% do salário mínimo líquido. Sem medidas de socorro, alertam especialistas, a inflação dos alimentos poderia acelerar ainda mais, pressionada pelo frete caro e pela quebra de contratos de exportação.
A medida já está em vigor, mas precisa ser aprovada pelo Congresso em até 120 dias. Negociações com a bancada ruralista e a oposição prometem ser complexas, especialmente porque o diferimento de tributos pode adiar em até R$ 15 bilhões a arrecadação federal, exigindo compensações. Se conseguir atravessar essas barreiras, a MP terá condições de não apenas conter os efeitos imediatos da crise, mas inaugurar uma nova fase de previsibilidade tributária. Para as empresas, isso significa caixa e confiança; para o país, preservação de empregos, controle da inflação e reposicionamento no comércio internacional.