“E aí, senhores, tudo bem?”. A saudação feita na voz firme, clara, pausada e serena é marca registada na abertura das apresentações realizadas por este paulistano da gema, que cresceu em Diadema (SP), no Grande ABC paulista, e hoje é aficionado em enxergar nas grandes cidades e populações parte do sucesso alcançado em áreas rurais espalhadas por 8,5 milhões de quilômetros quadrados do território brasileiro. O jovem Felippe Cauê Serigatti pensava em ser advogado. Acabou professor, pesquisador e um fanático por unir Academia, Iniciativa Privada e Poder Público em nome de dados, informações e projetos para alavancar ainda mais um dos quatro maiores agronegócios do planeta. E espalhar benefícios a toda nossa sociedade. “Fiz inscrição no vestibular para o curso de Direito em duas universidades. Na mesma época, eu assistia a um programa jornalístico sobre Economia para ficar bem informado e passei a gostar do tema. Resolvi prestar Ciências Econômicas na Unicamp e passei”, lembra com calma patológica e um permanente e grande sorriso no rosto.
Viveu e graduou-se na vizinha Campinas, de 2001 a 2005. Voltou à capital paulista, onde morou durante cinco anos e concluiu mestrado em Economia de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas. Em seguida, seguiu para Berkeley, para um doutorado de dois anos na Universidade da Califórnia. Na volta, mergulhou fundo na vida profissional. Foi assessor econômico na Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Tornou-se professor da Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV – EESP), Coordenador do Mestrado Profissional em Agronegócio (MPAgro), da FGV EESP, e pesquisador do Centro de Agronegócios da FGV (FGV Agro). Um convite feito pela Revista Agroanalysis levou o frenético Felippe a escrever e pensar a macroeconomia da agricultura ‘verde amarela’. Pronto. Estava definitivamente selada a paixão do paulistano do ABC em explicar e interligar o Agro Brasil ao Brasil Urbano. “O segmento ainda é um caderno à parte em vários sentidos. Sempre faltou a ponte do setor com o restante da economia”, aponta.
Mas, se depender desse Cientista Econômico de corpo esguio e quase dois metros de altura, essa lacuna está com os dias contados. Felippe não titubeia em caçar parcerias com agentes do agro, privados, públicos e institucionais. Para saber mais e mais. Obter e trocar dados, ilustrar e entender como o organismo da cadeia produtiva de tudo o que sai do campo impacta as estruturas econômicas. Até um futuro de reconhecimento e conquista. “Mostrarmos ao mundo que o modelo de produzir biomassa, alimentos e fibras sem sobrecarregar o meio ambiente é o que foi conquistado pelo Agro Brasil. E que a sociedade reconheça o valor e a qualidade do universo agro brasileiro”. Senhores, esse cientista econômico é obstinado. Acompanhem.
Por que cursar Ciências Econômicas?
Felippe Cauê Serigatti: Na virada do século, eu estudava para o vestibular. Para ficar bem informado, acompanhava o programa ‘Conversa Afiada’, na TV Cultura, apresentado pelo jornalista Paulo Henrique Amorim. Eu assistia ao pessoal discutindo economia e passei a gostar. Mas já havia feito minha inscrição na Fuvest (Fundação Universitária para o Vestibular) e Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) para o curso de Direito. Só sobrou a alternativa de Ciências Econômicas em Campinas. Fiz essa opção, passei e deu tudo certo.
Hoje, como enxerga a sucessão de problemas vividos pela Economia do Brasil da década de 1970 até 1994, com recessão, juros altos, dívida externa, confisco de dinheiro, vários planos fracassados?
Felippe Cauê Serigatti: Foi um longo período de aprendizado. Nos anos 1980, o problema da dívida externa combinada com uma hiperinflação. Tentamos controlar os preços, congelar outros, soltar salários e a coisa não se equilibrou. Fizemos os Planos Cruzado (1986), Bresser (1987), Verão (1989), Collor 1 (1990), Collor 2 (1991). Não foi por falta de tentativa. Então, o cenário externo ficou mais confortável, os países emergentes conseguiram refinanciar as dívidas e encontramos uma fórmula de controlar a inflação com uma moeda fictícia, a URV (Unidade Real de Valor). Sem loucuras e feriados bancários. Demos prazo para o mercado reorganizar-se, precificar de novo, refazer os seus contratos. A moeda foi trocada, mas a inflação não caiu tão fácil e foi necessário deixar juros elevados e ainda usar a âncora cambial. Diversos setores sofreram, como a indústria brasileira, pressionada pela concorrência dos produtos importados. Mas domamos a inflação.
Conseguimos, assim, mudar para melhor o patamar de nossa Economia?
Felippe Cauê Serigatti: Foi uma mudança importante de agenda. Passamos a ter um Estado mais focado em pontos específicos, que passou a cuidar da parte social, dos primeiros programas de transferência de renda, da instituição do SUS (Sistema Único de Saúde). Sem falar que o Estado passou a ter um controle mais indireto na Economia e os dois grandes símbolos foram os programas de privatização e a criação das agências regulatórias.
A partir dessa época maluca da economia, em 1973, com o galope dos preços internacionais do petróleo, iniciou um avanço surpreendente do agronegócio nacional. Como isso foi possível?
Felippe Cauê Serigatti: Houve um conjunto de políticas públicas que deu muito certo nesses anos todos. O início da grande turbulência econômica mundial, nos anos 1970 e 1980, coincidiu com os primeiros projetos para reverter a situação do Brasil importar alimentos básicos, como arroz, feijão e milho. Com o envio de jovens formados para o exterior, a fim de aprender, aplicar a ciência de produção agrícola no Cerrado e desenvolver aqui a Agricultura Tropical. Na batuta do ex-ministro Alysson Paulinelli. E essa jornada prosseguiu, trabalhando pelo aumento da produtividade, mesmo com a quebra dos países emergentes, na grande crise da dívida externa, e nossas tentativas frustradas de combater a inflação com planos mirabolantes. E o avanço significativo chegou em dois momentos. A estabilidade alcançada com o Plano Real. E a entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), que detonou o boom de commodity e promoveu um ótimo período de crescimento para a nossa economia como um todo.
Nesta época, o Presidente do Brasil era o mesmo de hoje. Como você acha que ele vai lidar com o Agro neste novo mandato?
Felippe Cauê Serigatti: Minha leitura é que o setor perdeu prestígio com a mudança de governo. A ex-MinistraTereza Cristina tinha o comando de diversas agendas. Porém, o MAPA (Ministério da Agricultura e Pecuária) foi desmembrado neste ano. Perdeu a Pesca (Ministério da Pesca e Aquicultura), o Desenvolvimento Agrário (Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário) e a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), grande Conab. Ok, tudo vai seguir, mas com uma convergência menor. A conjuntura estava muito mais favorável ao Agro no início dos anos 2.000. Mas é importante salientar que não foi o segmento do agro e nem o governo que criou o boom das commodity. O que importa é que, quando o vento soprou mais forte em nome dos produtores agrícolas, nosso agro estava com o barquinho preparado e organizado para navegar em altíssima velocidade. Logo, é bom o setor agro ter isso em mente e seguir em frente, trabalhando.
Qual o tamanho ideal da presença do Estado Brasileiro na economia?
Felippe Cauê Serigatti: O de ser um regulador. A liderança do processo produtivo pelo Governo não faz mais sentido hoje em dia. Penso que caminharemos melhor se combinarmos a musculatura do estado com a realidade da economia. Ser um atrativo de capital privado para as áreas que o governo identificar como importantes para a população. E tragam resultados a longo prazo muito relevantes. Como as áreas de Educação e de creches, para formarmos bem as nossas novas gerações. Os tempos mudaram. Por exemplo, já erguemos parques industriais fantásticos há cinquenta anos graças ao dinheiro público. Hoje não faz mais sentido. Atualmente, o saneamento básico é um belo exemplo de serviço fundamental que pode ser tocado por empresas privadas por incentivo de legislação e postura governamental. É assim que o Estado deve dialogar com o restante da economia.
Você estudou e morou nos EUA. O país ainda é uma potência?
Felippe Cauê Serigatti: O período que vivi lá não foi um bom parâmetro para definir. Aquela sociedade ainda estava digerindo os efeitos da crise de 2008, com gente morando nas ruas, muito desemprego e violência. Nada comparável com o que convivemos aqui, no nosso país, nas ruas das grandes cidades. Porém, era uma realidade diferente para eles. Tanto que eles olhavam o Brasil de forma muito otimista naquela época porque ainda estávamos nos beneficiando da riqueza econômica gerada pelas commodity.
E hoje, eles ainda são os maiorais?
Felippe Cauê Serigatti: Os EUA não são mais a superpotência hegemônica inquestionável que já foi, mas ainda permanecem fortes. Entretanto, convivendo com outras nações no tabuleiro. Principalmente a China. Hoje, assuntos da Ásia são resolvidos pelos asiáticos. Não mais pelo Ocidente. E há questionamentos dentro da ONU (Organização das Nações Unidas), como a Índia desmerecendo a França como integrante do Conselho de Segurança por não ser mais uma nação preponderante. Olhe, são demandas legítimas, de atores, Estados que procuram ocupar novos espaços. E quem está lá fica resistindo. Faz parte do jogo, nenhuma novidade. Porém, desde o início da guerra entre Rússia e Ucrânia, os Estados Unidos recuperaram força no mínimo como grande força do Ocidente. A União Europeia pede ajuda e os americanos aceitam porque têm o mesmo adversário pela frente.
O que o GV Agro faz atualmente para contribuir com o segmento?
Felippe Cauê Serigatti: Temos algumas agendas centrais. A que estou diretamente mais ligado é o de olhar e ler o agronegócio como um setor econômico, embrenhado dentro da Indústria e do setor de Serviços. Até mesmo quando olhamos os grandes veículos de imprensa, o agro ainda é um caderno à parte. Porque sempre faltou a ponte do setor com o restante da economia. Nem mesmo a academia produzia esse tipo de conhecimento. Uma fragilidade que vem desde o início dos anos 2000. E eu não percebia, mesmo tendo passado aqui pela Graduação, pelo Mestrado e Doutorado. Só tomei conhecimento dessa Literatura quando fui a Berkeley, no Departamento Agrícola deles. Na volta ao Brasil, conversei com o Pinazza (Editor da Revista Agroanalysis) e fui convidado a escrever na publicação. Assim, nasceu a coluna mensal de Macroeconomia na Agricultura, que deu origem à agenda de pesquisa dentro do GV Agro, que tocamos até hoje.
Como é a estrutura atual?
Felippe Cauê Serigatti: A equipe é pequena. São três pesquisadores fixos, sendo eu um deles. Mas temos apoio de outros estudiosos, que se envolvem com as agendas de Agricultura de Baixo Carbono e Observatório de Bioeconomia, que são fixas no GV Agro. Ainda tem o intercâmbio de outros pesquisadores e, além disso, muito bacana dentro do setor, a contribuição de gente de outros centros. De universidades, mas também entidades de classe que possuem dados interessantes, úteis, gente que conhece os temas e quer atuar junto, em parceria. Em intensidades distintas. Por exemplo, aqui, na ASBRAM, a Beth (Vice-Presidente Executiva da ASBRAM) me chamou para eu fazer apresentações regulares nas reuniões dos associados. Eu pedi para ter acesso aos dados da Associação. Ela foi rápida, aceitou e ainda propôs que eu organizasse o banco de dados. Assim, reformulamos o painel de estatísticas da ASBRAM.
E porque foi positivo para você e o GV Agro?
Felippe Cauê Serigatti: Porque foi uma iniciativa concreta de intercâmbio de conhecimento dentro do setor. Isso é curioso porque comparado com outros setores, pelo menos no Brasil, não vejo esse fluxo de informação e de troca de pesquisadores e relatórios como a gente vê dentro do universo agro. Logicamente, há divergências entre as cadeias, mas o que prepondera é muita interação, como não existe em outras áreas do país.
E o que mais vem te surpreendendo nas estatísticas ASBRAM? Que, agora, também traz dados da suplementação mineral na Pecuária de Leite, além dos dados tradicionais da pecuária de Corte?
Felippe Cauê Serigatti: Sou um privilegiado de participar desse processo. Tenho aprendido muito sobre o mercado de suplementação mineral e a pecuária como um todo. Além da ponte importante de expandir entre as universidades, a academia e o setor produtivo. Temos lá o conjunto de técnicas e conhecimento que, às vezes, fica preso nas prateleiras das bibliotecas. E temos que transferir isso ao setor privado, que possui problemas e dados, e anseia por ferramentas para usar a favor da produção. E temos visto a criação dessa ponte. Também dialogar com outras variáveis, como, por exemplo, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Foi um dos motivos da mudança do Painel da Asbram. Começamos com volume de venda de suplementos, fomos criando outras métricas e variáveis, amarrando com abates e outros índices da pecuária. E agora, num esforço bacana das empresas da Associação, temos as estatísticas desagregadas, quanto vai para a Pecuária de Corte e para a Pecuária Leiteira. Não é do dia para a noite. A própria acomodação das estatísticas leva um tempo até conseguir produzir um número cuja leitura seja confortável e faça sentido ao setor. É um processo. E mais do que isso. A série histórica não surge. Ela é construída. É uma questão de tempo.
A pecuária, o boi e a vaca, é um símbolo fortíssimo no Brasil de história, conquista do território e agente econômico, há mais de duzentos anos. Ela perdeu a corrida da eficiência para Aves e Suínos? Ainda está num patamar inferior de produtividade?
Felippe Cauê Serigatti: Há muitas coisas legais nesse tema. Quem está fora do Agro, pensa que o setor é uma coisa só. E ele é incrivelmente heterogêneo. Bem distinto dos grandes monopólios produtivos de antigamente. Tem uma pauta diversificada, é extremamente competitivo numa gama enorme de produtos. Veja o caso atual do trigo. Quem diria que um país tropical como o nosso começaria a ser competitivo na produção de trigo, em áreas como o Nordeste? Uma cultura marcadamente do inverno. Sensacional. Com liberdade, o Agro vai voar ainda mais alto. Já criou uma dinâmica endógena de inovação. Mira o mercado consumidor e aciona a gestão e a nova tecnologia nesse sentido. Coisa que outros setores não conseguiram criar. Veja o caso do álcool, que se tornou referência de energia. O sucesso dos grãos. Só que, aos poucos, vemos na GV Agro chegando um pessoal da Pecuária. Com muito profissionalismo. Mas o nosso país é grande demais. Muito diverso. Aves, suínos e bovinos avançam, cada um com suas peculiaridades. Essencialmente, as aves são beneficiadas pelo preço no varejo. Bovinos têm queda nas vendas pela concorrência, mas segue como um produto premium para o brasileiro. E os suínos vêm crescendo, porém aos solavancos, por causa da tradição alimentar do país e a natural disputa de espaço no comércio varejista.
Qual setor é mais flexível diante de desafios: Pecuária ou Agricultura?
Felippe Cauê Serigatti: A pecuária é mais flexível, acomoda produtores com diversos perfis, isso é um lado bom. Entretanto, é mais difícil puxar o setor como um todo. Porque coexistem agentes de ponta e outros que não alcançam nem mesmo uma gestão mínima. O Agro sofre mais com adversidades fortes, como problemas climáticos severos. Mas tem altíssima tecnologia mais espalhada e acessa hoje os maiores mercados mundiais. Ao mesmo tempo, se olharmos o mundo, somos imbatíveis na carne bovina. É um espaço praticamente nosso. Não há país com potencial de crescimento semelhante ao do Brasil.
Você e a GV Agro estão envolvidos em outro exame interessante que é o comportamento do mercado de trabalho no Agronegócio. E a primeira bateria de dados envolveu o triênio 2019 – 2022. O que mais te surpreendeu?
Felippe Cauê Serigatti: Estamos acostumados a ver grandes manchetes sobre trabalho rural escravo no campo e outros problemas. E essas são situações que merecem notícia mesmo, além do rigor da legislação. Mas isso é exceção. Quando vemos os números do IBGE e da PNAD contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), o retrato é bem diferente. A lição do agro também foi muito bem feita na área do mercado de trabalho. O setor cresceu, melhorou a gestão, incorporou tecnologia e liberou mão-de-obra para a economia. Uma força de trabalho menos qualificada, de padrão mais informal. Já operar novas tecnologias no agro exigiu padrão de contratação mais formal, melhores salários e trabalhadores melhor qualificados. E a renda resultante foi parar na economia e você comprova isso só de olhar o incrível desenvolvimento das grandes regiões produtoras espalhadas pelo país. Um sucesso que transbordou o restante do país. Um progresso monumental, principalmente se comparado com regiões que se destacaram nos últimos cinquenta anos, como a Grande ABC paulista, por exemplo. Principalmente neste século.
E os próximos passos desse trabalho?
Felippe Cauê Serigatti: Cada produto novo que colocamos não é ‘versão extraordinária’. É permanente. Começamos com o desempenho da agroindústria brasileira. Desde 2019, todo santo mês. Uma análise que encontrou seu espaço no mercado. Depois, veio o desempenho comercial do Agronegócio, que não encontrou a mesma repercussão, mas tem a sua importância para entender o caminhar de diversos setores. Depois, veio o mercado de trabalho. E nosso esforço é entregar uma análise tal qual o IBGE, mas o Instituto não desagrega para o agro como estamos realizando. E era assim que desejaríamos ver sendo comunicado para a sociedade. A complexidade do segmento, de modo transversal, como ocorre com os exames das outras áreas da economia nacional.
Esse agro tecnológico sem fim ainda contempla as centenárias cooperativas brasileiras ou é um modelo com os dias contados?
Felippe Cauê Serigatti: Não, muito pelo contrário. Esse papel vai se ampliar. A cooperativa tem um papel crescente e cada vez mais significativo nessa revolução. Principalmente as mais fortes, as que fazem essa ponte de serem o grande canal que liga todas as tecnologias ao pequeno produtor brasileiro. É um projeto longe de estar esgotado.
A profissionalização dos dirigentes das cooperativas segue nesse sentido?
Felippe Cauê Serigatti: Certamente. Só não podemos esquecer que elas são empresas, mas têm uma organização institucional distinta. Então, não necessariamente um bom gestor de uma empresa profissional vai ser um bom dirigente na cooperativa. E vice-versa. Na teoria, a cooperativa não tem as melhores características de organização e governança. Mas é como a história da abelha, que não parece nascida para voar. Mas voa. É um fato. Temos cooperativas fortes, que enfrentaram muita turbulência ao longo desses anos, mas entregam muito aos cooperados, às comunidades, ao país. É outro fato comprovado. Elas têm atributos próprios que funcionam muito bem, principalmente na produção agropecuária. Por isso necessitamos de mais cooperativas. Digo isso com o que vivi dentro da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento e recebendo a influência de nosso antigo coordenador no GV Agro, o ex-ministro Roberto Rodrigues, um ícone do cooperativismo mundial. O papel das cooperativas ainda tem muitos anos e décadas pela frente.
Afinal, o que o Agronegócio do Brasil ainda não fez até agora? Ou fez errado?
Felippe Cauê Serigatti: A comunicação com a sociedade brasileira, o restante da economia, o mundo todo. Ficamos muito tempo presos às nossas salas, nossas bibliotecas, nossas fazendas. Melhoramos nos últimos anos, passamos a dialogar mais, porém, temos que mostrar melhor o que fazemos com competência. Produzimos muito, melhor, diversificamos nossas ofertas, nossos compradores internacionais, mas enfrentamos desafios. Nossa exportação é bem concentrada em um número pequeno de produtos, com pouco processamento e soluções de maior valor agregado. E é preciso um avanço mais veloz da nossa Agroindústria. É um setor que vai argumentar que sofre mais do que a fazenda e tem razão. Carga tributária mais pesada, um conjunto de burocracias difíceis de gerir, vigilância severa sobre qualidade, contaminação, saúde, armazenagem, entrega. O dinamismo de dentro das porteiras precisa extrapolar para nossa Agroindústria.
Qual a sua opinião sobre temas ‘eternamente’ controversos no Brasil, que nunca saem do debate, como reforma agrária, movimento dos sem terra e venenos agrícolas? E que colocam o agro contra a parede?
Felippe Cauê Serigatti: O importante é o Agro explicar as suas versões. No caso dos defensivos. Usamos? Sim, e é necessário. Não dá para alimentar o mundo com a ‘horta da vovó’. Aliás, a atividade é industrial, dirigida para produzir um bem final chamado alimento. Com a melhor qualidade possível e dados os custos viáveis. É uma realidade. Que precisa ser levada à sociedade por nós. Não somos ‘jecas tatus’, senhores de engenho colonial. É nossa tarefa explicar. O outro lado não vai querer nem saber.
Desmatamento?
Felippe Cauê Serigatti:É um problema que precisa ser reconhecido e combatido. Mas com a devida dimensão. Uma absurda fração da produção agro brasileira vem de áreas consolidadas. Um produtor lá do Paraná não pode ser marginalizado por causa de um problema detectado na Floresta Amazônica. O setor é que precisa levar a informação ao público mais amplo. No Brasil e no exterior. O público não virá espontaneamente atrás das explicações. Não acredito.
Reforma Agrária?
Felippe Cauê Serigatti: O pessoal defende muito essa ideia, mas, qual seria a reforma agrária específica para o século XXI? Produtor agrícola não é uma situação, é uma profissão. Demanda estudo, treinamento, técnica. Não é qualquer um que consegue realizar. E aí, das áreas disponíveis, o que a gente vai fazer? Alocar essas áreas com gente que não domina o ofício ou com gente que vai conseguir tirar daquele ativo da terra produção relevante para a sociedade? O que é melhor para o país? Colocar pessoas numa situação de negócio ou transferi-las para programas de transferência de renda, que é mais barato? A ideia de que qualquer um é produtor está completamente atrasada, obsoleta. Não é uma tarefa trivial competir no universo agro? E é uma decisão que não se dá via Governo e sim mercado. Caso contrário, a pessoa vai quebrar, ter de entregar a propriedade. E os mais eficientes vão destinar melhor uso àquele ativo.
Karl Marx ou Adam Smith?
Felippe Cauê Serigatti: Adam Smith. É o autor que fez nascerem as Ciências Econômicas. Mas importante do que isso é ler todos os clássicos. Tem que ler esses dois e mais. David Ricardo, Joseph Schumpeter, Stuart Mill. Mantenha sua cabeça aberta. Não é uma questão de aceitar todas as ideias de um autor. Mas aceite ao menos um bombom oferecido por cada um deles. Incorpore esse conhecimento à sua bagagem. Mal não vai fazer. E saiba que um clássico não é um clássico à toa.
Duas frases marcam os soluços de crescimento que o Brasil vive constantemente. ‘O Brasil é um navio cuja lanterna fica na popa’ (Roberto Campos). ‘No Brasil, até o passado é incerto’ (Pedro Malan). Mesmo assim, o país conseguiu em 500 anos situar-se entre as onze maiores economias do planeta. Na frente de potências milenares da Europa e Ásia. Mas patinamos com instabilidade econômica, desigualdade social, violência urbana, falta de civilidade, corrupção. O Brasil chega lá? Como?
Felippe Cauê Serigatti: Infelizmente, não sei. Adoraria ter essa resposta de forma clara e objetiva. Agora, se eu puder melhorar a autoestima dos brasileiros, gostaria de dizer que não somos os patinhos feios do planeta. Muito pelo contrário. É claro que podemos ficar mal na comparação com algumas das grandes nações do primeiro mundo. Mas, repare as economias emergentes da América, do México para baixo. Somos os patinhos feios? Ok, podemos não ser a economia mais bonitinha de todas, mas estamos muito mais próximos do início da fila dos melhores do que do fim da fila. Temos muitas lições a fazer, mas a nossa trajetória não é das piores do mundo. É o inverso. De novo, olhando para os emergentes da América. Se você pudesse escolher onde nascer, do México para baixo, gostaria de ter nascido onde? Certamente, a maioria dos brasileiros vai agradecer a cegonha. Tudo bem que tem sociedades mais equilibradas, como o Chile e Uruguai, mas são de um porte econômico muito abaixo de nós.
E então?
Felippe Cauê Serigatti: É arregaçar as mangas e apertar os parafusos que precisamos aqui dentro. Para melhorar nossa situação e, principalmente, a dos nossos filhos, como os nossos pais fizeram conosco.
Cientista Econômico Felippe Serigatti: que Agronegócio ideal podemos ter daqui 50 anos?
Felippe Cauê Serigatti: Penso que o que podemos alcançar está longe de ser um sonho impossível. Um agro que consiga disparar a renda que gera para todo o território nacional, dinamizando nossa Agroindústria e as grandes metrópoles, espalhando os ganhos de produtividade, a inovação e a competição internacional conseguidos dentro da porteira para os outros elos do agro. Mostrar ao mundo que o modelo de produzir biomassa, alimentos e fibras sem sobrecarregar o meio ambiente é o que foi conquistado pelo Agro Brasil. Nossos pioneiros fizeram isso e em ambientes tropicais. Sem falar que a maioria dos países que protegem grandes áreas atua em regiões onde não é possível fazer agricultura. E grande parte das terras protegidas no Brasil não são parques, não pertencem ao governo ou aos índios. É propriedade particular dos produtores rurais. E que a sociedade brasileira reconheça o valor e a qualidade do universo agro brasileiro. Nosso número de vitórias superou até mesmo a arte do futebol brasileiro.
E o papel da academia?
Felippe Cauê Serigatti: Não faremos assim sem produção de conhecimento e informação disseminada. Ao lado do setor privado. E o grande agente para construir essa ponte é o setor público. E vimos esse fato ocorrer de forma contundente na revolução agrícola do solo tropical há 50 anos. Teve produtor, teve cientista, teve universidade, teve empresa e teve governo. Todos juntos. Não vai deixar de dar certo novamente.
FELIPPE CAUÊ SERIGATTI
# Nasceu em São Paulo – Capital
# 40 anos
# Graduado em Ciências Econômicas | Unicamp – Campinas (SP)
# Mestre e Doutor em Economia de Empresas | Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP)
# Professor da Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV EESP)
# Coordenador do Mestrado Profissional em Agronegócio (MPAgro) da FGV EESP
# Pesquisador do Centro de Agronegócios da FGV (FGV Agro)
# Pesquisador visitante na Universidade da Califórnia | EUA
# Atuou como assessor econômico na Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo
# Coordenador do Painel de Comercialização de Suplementos Minerais da Pecuária de Corte e Leite do Brasil para a Associação Brasileira das Indústrias de Suplementos Minerais (ASBRAM)
# Colaborador da Revista Agroanalysis | Coluna ‘Macroeconomia da Agricultura’