Quais as lições que o nosso Agronegócio pode ter com a maior economia agrícola do planeta.
Prepara-se! Não é fácil acompanhar o tamanho e os números do agronegócio dos Estados Unidos, o maior de todos, dentro da maior economia do planeta há quase dois séculos. São 50 milhões de toneladas por ano, entre carnes de bovinos, suínos, aves e perus. Quase 600 milhões de toneladas de soja, milho, trigo e algodão. É o maior produtor mundial de milho, amendoim, trigo e algodão. Figura entre os três maiores exportadores de pelo menos dez commodity´s. O Valor Total de Produção atinge o equivalente a R$ 3 trilhões. O seguro oficial garante proteção de nada menos de US$ 200 bilhões. As fazendas só trabalham com intensa mecanização. O país sedia as maiores empresas de máquinas, insumos e novas moléculas. Mas nem tudo é cor de rosa. O ‘Agro dos Gringos’ também sofre. Com a baixa nos preços dos produtos, as variações do clima, o preço da terra e a falta de interesse e aptidão dos filhos e netos dos agricultores do século passado para continuar tocando o negócio da família.
Esse retrato foi levado aos participantes do evento Top Farmers, realizado em Campinas (SP), por um jovem de 35 anos, magro, alto, com olhos brilhantes e a cor rosa na face. Cody Gerlach é Diretor de Vendas Estratégicas da Barchart, uma empresa líder global em tecnologia financeira, dados de mercado e serviços para os setores financeiros, de mídia e de commodities. Com sede no coração do distrito financeiro de Chicago, terceira maior cidade americana, às margens do lago Michigan, é uma potência desde 1995, quando lançou um dos primeiros sites para dados de commodities e mercados futuros. Só nos Estados Unidos, são mais de 600 clientes, entre bancos, bolsas de valores mundiais, cooperativas e empresas do porte de Cargill, ADM e JBS. E a companhia está justamente buscando expandir os negócios no Brasil, com foco em soluções tecnológicas a agricultores e cooperativas.
Cody tem formação em Marketing, Finanças e Agronegócio. Apesar de jovem, é um negociante experiente, com dez anos de grãos, outras commodities, desenvolvimento de negócios, além de atuar no relacionamento com todos os elos do setor. “A empresa conecta-se diretamente aos mercados que atende, incluindo ações, futuros, opções, índices e câmbio estrangeiro, bem como vários provedores de notícias e outras fontes de dados”, explica.
Na 10ª edição do Top, Cody falou para mais de mil produtores rurais, executivos e profissionais de empresas, além de representantes das maiores cooperativas do Brasil. Analisou os números da agricultura norte-americana, examinou as tendências de preços, as novas tecnologias e as políticas governamentais efetivadas pelo governo dos EUA para o setor, que têm reflexos no mercado brasileiro e mundial. Também fez diversas comparações entre os dois agros. E tratou da corrida presidencial do seu país. Em todos os momentos, deixou claro: os Estados Unidos serão preponderantes no agronegócio durante as próximas décadas. Só que, cada vez mais, ao ladinho da fazenda brasileira. Acompanhe.
AgroRevenda: O que está ocorrendo com o agricultor e o mercado dos Estados Unidos?
Cody Gerlach: O custo de produção aumentou dramaticamente no país nos últimos dez anos. O mesmo ocorreu no Brasil. O valor dos fertilizantes, os equipamentos, o arrendamento de terras. Outro ponto difícil é encontrar mão de obra para trabalhar nas fazendas. Os candidatos não querem ficar longe das famílias e os salários não são atraentes.
AgroRevenda: E o faturamento dos produtores?
Cody Gerlach: É outro ponto problemático da atividade. O resultado por acre (0,4047 hectares) na área permanente de milho tem sido negativo. Na safra de rotação milho – soja, a fazenda está pagando o que gastou. Sobre o trigo, os lavradores preferem não plantar. A área cultivada diminuiu na última década e o preço não incentiva o investimento no grão. Lucro, mesmo, somente com a soja de dupla rotação, usando essencialmente o trigo no outono. US$ 240 por acre. E fazem o trigo apenas para cuidar bem da saúde do solo.
AgroRevenda: Mas o período de pandemia foi bom para o Agro Brasil. Para os EUA não?
Cody Gerlach: Sim. Veja. De 2015 a 2024, em apenas dois anos a receita superou o custo geral e específico das lavouras. Em 2021 e 2022, justamente na saída dos números de mortos no mundo. Houve a explosão no preço das commodity e a turbulência política, que resultaram em lucros. Todos compraram tratores, colheitadeiras e caminhonetes, aproveitando a queda na carga fiscal. Entretanto, logo na sequência, eles começaram a perder dinheiro novamente.
AgroRevenda: Como se dá esse sobe-e-desce no agro americano?
Cody Gerlach: Imagino que seja como na maioria dos grandes produtores mundiais. Brasil, China, Índia, Ucrânia, etc. Veja o exemplo do milho. O custo para cultivar o grão nos Estados Unidos, no ‘Meio Oeste’, chega a US$ 900 por acre (cerca de R$ 10 mil no câmbio de primeiro de outubro). É muito caro. Mesmo assim, o país deve bater novo recorde de produção. O clima foi bom, a safra vai ser excepcional, mas isso mexe com o preço do milho no futuro. No caso da soja, o lucro das nossas fazendas e das do Brasil é muito semelhante. E o Brasil tem espaço gigantesco para aumentar a produção. A gente nem tanto.
AgroRevenda: Outro parâmetro importante da atividade é o preço da terra. O que se passa nos EUA?
Cody Gerlach: A terra está ficando mais cara. Em 1971, os valores começaram a crescer, com fortes investimentos de fundos de pensão e grandes conglomerados. Nos últimos 20 anos, o governo federal americano praticou uma política de taxas de juros baixíssimas. Era possível comprar terra com uma hipoteca de trinta anos e 2 ou 3% de taxa de juros. Foi uma avalanche, que acabou provocando a valorização. O mesmo ocorreu com os imóveis urbanos. Atualmente, isso não é mais assim. Os juros subiram e podem atingir até 8% na transação de imóveis rurais. E os fundos voltaram com tudo. O que impede a entrada de jovens agricultores no negócio. Muitos não são os donos das propriedades. Eles alugam áreas porque não têm dinheiro para comprar. Uma carga muito grande para os pequenos que não conseguem adquirir novas áreas. E ainda mantém usina de produção de etanol de milho ou fábrica de esmagamento de soja.
AgroRevenda: Como funciona a comercialização de grãos nos EUA?
Cody Gerlach: Normalmente, as vendas são à vista, com travas protegendo a produção e outras várias maneiras de diminuir os riscos, incluindo vendas de parte da colheita. Uma nova modalidade é a venda por acre. Independentemente de quanto o lavrador colhe. Porém, isso ocorre em culturas alternativas, como lentilhas. São 1,9 milhões de fazendas hoje nos Estados Unidos. As de propriedade familiar correspondem a 89%, mas 16% de todas as áreas não são administradas por elas. Enquanto no Brasil 44% das fazendas têm acesso à internet, nos EUA são 80%. E o governo central permanece incentivando a digitalização para os homens do campo tomarem as decisões corretas e obterem as previsões mais assertivas para o negócio.
AgroRevenda: Isso funciona para os jovens agricultores?
Cody Gerlach: 75% do solo agricultável dos EUA atuam com soja, milho e bovinos. 9% dos produtores têm abaixo de 35 anos. Muitos jovens viram os pais trabalhando duro na terra, entretanto, eles não possuem crédito para investir. E preferem empregos em empresas do segmento, mas nas cidades. Por isso a sucessão faz parte do maior desafio: quem será a próxima geração de agricultores do país? Eles vão transformar as fazendas em casas ou deixar tudo nas mãos do Brasil?
AgroRevenda: A tecnologia está ajudando?
Cody Gerlach: Bastante. Os próprios trader´s incentivam o uso de aplicativos na venda dos grãos pelos produtores. Para eles comercializarem sozinhos. E eles também oferecem esse serviço. Hoje, 60% de todos os grãos são vendidos por meio de aplicativos. E a tendência vai aumentar nesta modalidade. Uma curiosidade é que, ao mesmo tempo, a maior parte das empresas de grãos até depositam os valores nas contas, mas também usam cheques para efetuar os pagamentos. São os próprios produtores que preferem. Aqueles cheques antigos mesmo.
AgroRevenda: Quem são os maiores importadores do Agro dos EUA?
Cody Gerlach: O México é o número um, comprando muito milho, que segue por trens. Em segundo lugar, vem o Japão e a China é o terceiro. Os chineses praticamente pararam de negociar com a gente por causa da guerra tarifária, mas, a partir de 2019 e 2020, o governo central tentou vender o máximo possível de grãos para eles, mas a retomada está bem lenta, principalmente se compararmos com a velocidade do crescimento das relações deles com o Brasil. Estamos tentando voltar, aos poucos.
AgroRevenda: Como funciona o trânsito agrícola dentro dos Estados Unidos?
Cody Gerlach: Mais da metade do transporte de grãos é feito por caminhões. Os outros 40% são realizados por trens e barcos. Os grandes transportadores ferroviários americanos são BNSF Railway, Union Pacific Railroad e CSX Transportation, mas há outras companhias atuando no mesmo setor. São 20 milhões de metros cúbicos levados em sistemas ferroviários, a maioria para a exportação. Seja pelo Oceano Pacífico, pelos estados do Oregon e Washington, ou Nova Orleans, para a América do Sul, além de Virgínia, para a Europa. E também o Texas que faz a ponte com parte importante da nutrição para o rebanho bovino.
AgroRevenda: Porém, tem uma parte importante com os barcos sobre rios, não?
Cody Gerlach: É uma benção. Um sistema fluvial que vai de Norte ao Sul. De Minnesota ao Mississipi, Kentucky e Ohio River. E outros pequenos rios, como Arkansas, tudo para entregar os grãos. Em 2023, foram 478 milhões de toneladas que passaram pelo sistema fluvial americano. É uma das formas mais baratas para levar a colheita do Centro Oeste para todo o país.
AgroRevenda: É um sistema que funciona perfeitamente?
Cody Gerlach: Não. O Rio Mississipi, por exemplo, está com problemas. Há três anos, os níveis no percurso estão preocupantes por causa da seca. E isso torna mais caros os custos e impactam o dinheiro pago ao produtor. Foi o que houve desde 2021. E prejudica os lavradores semana a semana até porque há limite para as barcaças se moverem no rio. Nossa expectativa é que haja chuvas em áreas chaves dos Estados Unidos, pois o nível de água está sendo um grande problema e prejudica o transporte da safra nos centros de compra. Inclusive com aumento na importação de grãos brasileiros.
AgroRevenda: Há mais problemas?
Cody Gerlach: Sim, existe uma lei que proíbe as empresas estrangeiras de possuírem barcaças e que usem os rios americanos para ajudar na logística nacional do agro. Isso prejudica o produtor, que está brigando para se livrar da legislação. E os engenheiros responsáveis pelo transporte fluvial não receberam dinheiro para fazer a limpeza necessária dos rios para o fluxo normal dos barcos. A pandemia também atrapalhou bastante, paralisando parcialmente o trânsito de grãos durante meses. A estrutura quase chegou a parar. E o governo central não fez nada.
AgroRevenda: Não dá para falar em Agro dos EUA sem citar o crédito oficial, famoso no mundo inteiro. Como ele funciona?
Cody Gerlach: É uma montanha de dinheiro e podemos usar o exemplo do etanol de milho. Em 1999, tínhamos 55 usinas e hoje são mais de 180. E cada vez mais eficientes com a melhoria da tecnologia. E também da soja, com o aumento das unidades de esmagamento para óleo, farelo e óleo diesel renovado. Há o compromisso da sociedade americana de chegar a 2035 com 57% da energia utilizada no país sendo sustentável. Hoje, são apenas 12%. Todo esse movimento exige muito investimento de empresas e do governo.
AgroRevenda: E no caso das lavouras?
Cody Gerlach: O seguro de safra começou efetivamente nos anos 1980. Uma época muito difícil para o segmento. Taxas de juros altíssimas, de até 25% para os negócios do campo. E o governo percebeu que milhares de produtores rurais iriam pedir falência. A ideia foi construir uma base mínima de rendimento para eles. Funciona assim: as autoridades pegam os preços futuros das commodity no início de cada ano e fazem uma média. Também levantam o histórico de cultivo e colheita do lavrador nos últimos cinco anos. E garantem a receita se houver desequilíbrio com os preços de mercado. A diferença é enviada por cheque em nome da União. Já a rede bancária passou a emprestar de olho na garantia dada pelo governo americano. Que cobre qualquer tipo de risco. O subsídio alcança até 65% do custo da fazenda. Mais de 90% dos agricultores entraram no programa, que hoje chega a US$ 200 bilhões. É uma grande proteção aos agricultores. Se não houvesse isso, teria sido uma tragédia para o agronegócio dos Estados Unidos.
AgroRevenda: E o que mudou da década de 1980 para cá?
Cody Gerlach: Hoje em dia, o país discute outro projeto para a agricultura. Em nome de alimentar todas as pessoas dentro do país, garantir segurança alimentar, enfrentar os riscos da inflação, levar mais benefícios à população. Existe um novo cenário político. Por exemplo, o etanol de milho não é positivo ambientalmente falando. As pessoas querem que o Agro deixe de usar grandes máquinas, incentive os agricultores e siga as regras ambientais, sem corte de árvores. E, aí, serão recompensados com dinheiro. Mesmo que isso exija situações como a de hoje, com os EUA importando etanol do Brasil.
AgroRevenda: Qual a sua visão para o mercado futuro do milho e da soja para americanos e brasileiros?
Cody Gerlach: Houve queda forte nos valores da soja americana de maio para cá. E as exportações levaram um tombo depois de três anos excepcionais. No milho, os movimentos foram semelhantes. Porém, vem crescendo a procura pelo grão e esperamos que o apetite mexicano seja cada vez maior. Do Japão também. E que a China volte a comprar como em 2021 e 2022, mas não sabemos se isso vai acontecer. O panorama ainda precisa levar em consideração a procura interna, o fator China, o câmbio sendo depreciado pelo Banco Central (FED) e a eleição do novo presidente da república.
AgroRevenda: Como a eleição vai interferir no Agro e vive versa?
Cody Gerlach: Esse assunto é muito importante para o futuro. Os grandes estados produtores de grãos são decisivos para o resultado do pleito entre Donald Trump e Kamala Harris. Mas ainda não sabemos qual será a opção dos eleitores deles. Os democratas seguem a mesma linha de tarifação internacional iniciada pelo Trump, mas sem o vigor contra os chineses mantido pelo candidato republicano. Kamala insiste na campanha a favor da energia limpa, de menos inflação, o que ajuda os importadores. Já Trump promete mais firmeza ainda contra os chineses no tema das tarifas, entretanto, ele ajudou demais os produtores rurais no mandato dele. Só que isso acabou achatando muitos os preços agrícolas, o que acabou jogando contra o agro. Entretanto, ele está bem ao lado do setor e também ao lado dos interesses sociais. Vamos ver. Kamala também promete dinheiro para os valores sociais. Os Estados Unidos ainda não sabem qual dos dois vai vencer. E quanto o Agronegócio vai lucrar ou não.
AGRO EUA
# 650 agroempresas
# 1,9 milhões de fazendas
# Propriedade familiar: 89%
# 84%: área pertence à própria família
# 16% não gerem as próprias fazendas
# 80% têm internet | Governo Federal incentiva aumento do percentual
# 75% cuidam de milho, soja e gado
# 25% atuam com outras culturas
# 9% dos agricultores têm menos de 35 anos
TRANSPORTES EUA
# 60% dos grãos são transportados por caminhões
# Trens transportam 20 milhões de toneladas por ano | Atlântico e Pacífico
# 478 milhões de toneladas de grãos transportados por rios em 2023 | Vai passar de 500 milhões em cinco anos
# China compra cada vez menos por causa da ‘Guerra Fiscal’ com os americanos
# Secas seguidas aumentam os custos do transporte por rios | Problema pode persistir
# Limpeza dos canais dos rios não vem sendo bem feita | Governo Federal não se atentou ao problema
TECNOLOGIA
# 60% dos grãos são vendidos por aplicativos
# Muitos produtores preferem receber o pagamento em cheques
# Governo federal promete que a energia limpa vai aumentar em 75% até 2035
SEGURO AGRÍCOLA
# Política iniciada nos anos 1980 por causa dos juros altos
# Governo banca 60% dos custos das lavouras
# 90% participam do programa
# Investimentos de US$ 200 bilhões
# “Só não participa quem não gosta de ganhar dinheiro”
ETANOL
# Quase duzentas usinas produtoras
# E a tecnologia está melhorando ano a ano
# Governo federal incentiva a produção
# Usam a atividade como meio para reduzir a inflação
DRAMAS DO AGRO DOS EUA
# Planejar a sucessão nos próximos 25 anos
# Americanos não estão pensando no longo prazo | Quem será agricultor no futuro?
# Manter os mercados do México, Japão, Colômbia, Canadá, Coreia do Sul, Guatemala, Taiwan e Honduras
# Produtores exigem benefícios constantes
# Sustentabilidade é preocupante: não usar máquinas e não cortar árvores
# Unir o Agro dos EUA ao Agro Brasil
# “Não se fala em Agricultura nos Estados Unidos sem falar em política”