Desde 2010 uma praga infesta a maioria dos municípios de Santa Catarina: o javali. Uma crescente e descontrolada população desses animais está atacando propriedades rurais e destruindo plantações em todas as regiões catarinenses e, notadamente, na Serra e no Meio-Oeste, causando pesadas perdas aos produtores e criadores. Além de danificar plantações, os javalis são agressivos e significam um risco às pessoas. Os números dão uma ideia da dimensão do problema. De 2019 a 2024 foram abatidos mais de 120 mil javalis em território barriga-verde e, ainda assim, estima-se que existam atualmente mais de 200 mil animais espalhados por 236 municípios.
A maior parte dos javalis habita o entorno do município de Lages, na Serra Catarinense, e o Parque Nacional das Araucárias, formado por 12.841 hectares que ocupa parte do território dos municípios de Ponte Serrada e Passos Maia, no Meio-Oeste. Quando o alimento escasseia nesse habitat, esses animais migram para as propriedades rurais dos municípios da Serra, do Meio-Oeste e do Oeste, onde atacam as lavouras, principalmente milho, feijão, soja, trigo, pastagens, hortas e até criatórios de aves e suínos. Numa noite, destroem completamente vários hectares cultivados.
A Lei nº 18.817/2023, sancionada pelo governador Jorginho Mello, autoriza o controle populacional e o manejo sustentável do javali-europeu (sus scrofa), mas a maioria dos produtores não está abatendo os animais e prefere chamar a Polícia Militar Ambiental porque, além de uma série de requisitos e procedimentos para o abate, a tarefa é perigosa. Com frequência os javalis matam os cães de caça e investem com ferocidade contra os caçadores.
Essa situação está quase fora de controle. Esse problema surgiu em 2010 na região do planalto catarinense, quando, atendendo apelo da FAESC, a Secretaria da Agricultura declarou o javali sus scrofa nocivo à agricultura catarinense e autorizou seu abate por tempo indeterminado, objetivando o controle populacional. A decisão está de acordo com a instrução normativa 141/2006 do Ibama que regulamenta o controle e o manejo ambiental da fauna sinantrópica nociva.
Os javalis que aterrorizam o território barriga-verde são da espécie exótica invasora sus scrofa, que provoca elevados prejuízos às lavouras. Vivem em varas (bandos) de até 50 indivíduos. São consideradas espécies “exóticas” (portanto, não protegidas por leis ambientais), porque cruzam com porcos domésticos e até outros animais selvagens, como porco de mato, o que gera filhos conhecidos com “javaporcos”. As fêmeas produzem em média duas ninhadas por ano e uma média de oito filhotes em cada uma. Por isso, o controle se torna difícil. O macho adulto pesa entre 150 e 200 quilos e a fêmea entre 50 e 100 quilos. Os javalis vieram do Rio Grande do Sul e se tornaram uma presença mortal em Santa Catarina.
Apenas profissionais caçadores registrados e licenciados podem fazer o abate dos animais. O problema é que existem poucas equipes para o abate de muitos animais. Os javalis podem transmitir doenças economicamente graves como a peste suína africana (PSA), peste suína clássica (PSC) e febre aftosa. Por isso, não se recomenda o consumo da carne dos javalis abatidos.
Eventual contaminação dos plantéis comerciais de suínos traria enormes prejuízos para a cadeia produtiva e colocaria em risco os negócios dos produtores rurais e a estabilidade do imenso parque agroindustrial. Apesar de ocupar apenas 1,12% do território nacional, o Estado é o maior produtor e exportador de suínos do Brasil, o segundo maior produtor de frangos e o terceiro maior de leite, além de destacar-se em diversas outras culturas.
A questão chamou a atenção do parlamento e, recentemente, uma audiência pública na Câmara dos Deputados discutiu o controle da população de javalis no Brasil. Evidenciaram-se as dificuldades enfrentadas pelos controladores na obtenção de licenças, a demora na emissão de documentos — como guias de tráfego e autorizações de caça — e a excessiva burocracia do sistema nacional.
A praga dos javalis é uma questão que não interessa apenas ao agronegócio, mas a toda a sociedade brasileira, razão pela qual deve ser prioridade de todas as esferas da Administração Pública para preservar a economia, garantir a segurança sanitária e evitar acidentes no meio rural.
José Zeferino Pedrozo é presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de SC (Faesc) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar/SC).