Os debates e votações sobre a Reforma Tributária ainda permanecem com lacunas que precisam ser previstas e solucionadas nas leis complementares que estão em discussão. Entre os setores atingidos, um que ainda precisa de ampla discussão é o agronegócio. Pilar da economia brasileira e responsável por mais de 24% do PIB do país, o setor se vê em uma trama delicada perante as novas regras propostas no texto inicial.
As mudanças com a unificação de tributos em dois impostos sobre valor agregado: o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), podem beneficiar produtores de commodities agrícolas e frigoríficos, tornando suas exportações mais atrativas e competitivas no mercado global. Contudo, a variação na distribuição de benefícios fiscais entre produtores pessoa física e jurídicas pode trazer desafios adicionais para o setor.
Em linhas gerais, a análise, hoje, é de que os novos impostos incidirão em aumentos tanto para o produtor rural quanto para o consumidor. Na ponta inicial da cadeia, alguns problemas previstos serão o pagamento de novos tributos antes isentos, seja pelo regime de operação ou pela natureza dos produtos finais desenvolvidos pelo empreendedor.
Os pequenos produtores rurais operam majoritariamente na pessoa física, segundo levantamento do Empresômetro, do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação), divulgado no final do ano passado. São mais de 3,8 milhões os que atuam dessa forma.
A tributação do consumo e do patrimônio para a atividade rural na pessoa física abrange atualmente o ICMS, IPVA, ITCMD, além de contribuições a fundos estaduais e outras taxas, excluindo-se a contribuição pelo PIS e da COFINS. Sob esse regime, de acordo com a nova lei, esse produtor passará a pagar PIS/COFINS dentro da CBS através das aquisições de insumos, maquinários e outras situações.
Na prática, contabilizamos que, mantendo-se as definições previstas no texto atual, mesmo com a redução de 60% do valor do IBS e da CBS, o preço final de itens hoje isentos como laticínios, óleos vegetais e ovos chegará a 10,6% em estados como São Paulo. Ou seja, se o consumidor pagava R$ 0,40 a cada R$ 10 de compra desses itens, com a reforma ele pagará R$ 0,35 de CBS e R$0,71 de IBS, resultando em uma diferença de tributação de R$0,66 de aumento na carga tributária a cada R$ 10.
A transição da reforma tributária para o agronegócio pode ser mais complexa também devido a outros fatores, como a mudança de regime tributário, que altera a forma como os impostos são cobrados – passando de um sistema cumulativo para um não cumulativo, o que pode exigir ajustes significativos nas práticas contábeis e fiscais. Outro impacto serão os custos: a unificação de tributos e a criação do Imposto Sobre Valor Agregado (IVA) podem afetar a produção e, consequentemente, os preços dos produtos agrícolas.
O atual modelo também pode modificar ou eliminar incentivos fiscais dos quais o agronegócio se beneficia, impactando a competitividade do setor. A adaptação tecnológica também será um desafio, pois será preciso investir em sistemas de gestão para se adequar às novas exigências fiscais e tributárias.
Outro aporte necessário será em capacitação e treinamento, para que as equipes possam entender e implementar as mudanças trazidas pela reforma tributária para o planejamento estratégico da empresa. A transição pode ser acompanhada de novas regulamentações e um aumento na fiscalização, exigindo maior atenção ao cumprimento das normas.
Ainda há temas não discutidos dentro do texto que são de extrema urgência para o setor, especialmente em relação aos benefícios oferecidos hoje, como crédito presumido, EFD-Reinf (Escrituração Fiscal Digital de Retenções e Outras Informações Fiscais), Reporto (Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária), desoneração de folha, entre outros. Essas isenções geralmente são aplicadas atualmente e não têm uma definição de como serão geridas a longo prazo dentro da reforma.
Falta, em última instância, uma melhor interlocução entre agentes reformadores e sociedade, uma vez que a reforma tributária pode representar um novo pacto social brasileiro, suprindo lacunas e criando novos entendimentos do que queremos para o futuro do nosso país.
Wilson F’orlan, fundador e sócio-diretor da WF Associados, escritório especializado em Compliance Tributário.