No coração da agropecuária brasileira pulsa um ativo muitas vezes invisível, mas absolutamente essencial: a saúde animal. Ela vai muito além do bem-estar dos rebanhos, constituindo a espinha dorsal que sustenta produtividade, segurança alimentar, sustentabilidade e acesso aos mercados globais. De acordo com o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal (Sindan), o setor faturou R$11,9 bilhões em 2024, um crescimento de 10,1% em relação ao ano anterior. Ainda assim, os custos com saúde animal representam menos de 0,4% do valor final do boi gordo, um investimento modesto diante da magnitude econômica da pecuária.
O dado revela um paradoxo, embora seja a engrenagem que movimenta a produção, a saúde dos rebanhos ainda é subestimada em termos de investimento, uma vez que poucos produtores conseguem relacionar os ganhos de produtividade com a prevenção e tratamento de doenças, devido ao período decorrido entre a vacinação ou tratamento e a aferição de produção.
O Brasil consolidou uma estrutura sanitária robusta, com campanhas de vacinação e sistemas de vigilância reconhecidos internacionalmente, que foram fundamentais para manter o país livre de doenças como a febre aftosa em grande parte do território. Ainda assim, é possível avançar mais. A necessidade de inovação tecnológica e de ampliação do acesso a produtos de saúde animal continua sendo um ponto de atenção, especialmente em regiões onde a produção é menos intensiva. Dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) mostram que até 20% da produção pecuária global se perde em razão de doenças que poderiam ser prevenidas. Reforçar o cuidado com a saúde animal, portanto, é um caminho para reduzir essas perdas, aumentar a produtividade e evitar maior pressão sobre os recursos naturais.
Os insumos veterinários cumprem papel decisivo nesse processo. Antiparasitários, antimicrobianos, vacinas biológicas e suplementos não são luxos: são instrumentos estratégicos para manter rebanhos saudáveis, proteger mercados e garantir rastreabilidade de ponta a ponta. Não por acaso, o Sindan aponta que os produtos biológicos, como as vacinas, já respondem por cerca de 30% das vendas da indústria de saúde animal. Essa tendência vai ao encontro das exigências de consumidores e importadores, cada vez mais atentos à origem e à qualidade dos alimentos.
É aqui que a questão sai do campo produtivo e se conecta diretamente com a pauta climática, especialmente com a iminência da COP30, que será sediada em Belém. Rebanhos mais saudáveis são também mais produtivos, permitindo ampliar a produção de carne e leite sem pressionar novas áreas de desmatamento. Esse movimento já encontra respaldo em iniciativas como as pesquisas da Embrapa e em programas de incentivo conduzidos pelo MAPA (Ministério da Agricultura) em parceria com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que têm fomentado práticas de baixo carbono, entre elas a integração lavoura-pecuária-floresta.
Essas ações são reforçadas pelo Plano ABC+ (Plano Setorial de Adaptação à Mudança do Clima e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária), que orienta a agricultura brasileira rumo à neutralidade climática. Ele estabelece metas como a expansão de tecnologias de baixo carbono para 72 milhões de hectares até 2030, mais que o dobro da década anterior, e a redução de 1,1 bilhão de toneladas de CO₂. Para viabilizar esses objetivos, o ABC+ promove editais públicos que apoiam iniciativas inovadoras e conectam produtores a investidores, garantindo transparência e monitoramento contínuo, movimento que mostra ao mundo que a pecuária brasileira pode ser parte da solução climática.”
Em um cenário em que consumidores, investidores e governos exigem transparência e responsabilidade ambiental, ignorar a saúde animal é um risco que o Brasil não pode assumir. A sanidade dos rebanhos garante a qualidade dos alimentos e, ao mesmo tempo, a credibilidade do país diante de parceiros comerciais e organismos internacionais. Fortalecer esse setor, seja por meio de políticas públicas eficazes ou por maior engajamento privado, vai além de uma decisão econômica, é uma declaração de compromisso com o futuro do planeta.
Emílio Salani é vice-presidente Executivo do Sindan.


