Seguro rural recua e expõe campo a riscos cada vez mais altos

Compartilhe:

Estudo da CNseg alerta que apenas 2,3% da área plantada no Brasil tem cobertura e aponta ameaça à estabilidade do agronegócio.

 

O seguro rural brasileiro atravessa seu pior momento em uma década. Segundo levantamento da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), apenas 2,3% dos 97 milhões de hectares cultivados no país têm cobertura ativa — o menor índice da série histórica. A retração ocorre justamente quando o agronegócio atinge recordes de produção e enfrenta eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes.

Em 2015, o Brasil cultivava 78 milhões de hectares e segurava 2,6 milhões. Em 2025, a produção aumentou para 97 milhões, mas a área protegida recuou para 2,2 milhões de hectares. A desconexão entre produtividade e mitigação de risco preocupa o setor. “O seguro rural é essencial para a estabilidade da atividade no campo. Em anos de margens apertadas, ele se torna ainda mais necessário, mas a capacidade de pagamento do produtor diminui. É aí que a subvenção pública faz toda a diferença”, explica Glaucio Toyama, presidente da Comissão de Seguro Rural da Federação Nacional das Seguradoras (FenSeg).

A redução na disponibilidade de recursos do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) explica parte do problema. Com orçamento anual em torno de R$ 1 bilhão, o programa opera com menos de um quarto do Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). O resultado é a queda no número de apólices e na área coberta: a média mensal de contratações caiu de 1,1 milhão de hectares em 2021 para 314 mil em 2025.

A retração afeta principalmente os pequenos e médios produtores, que dependem do subsídio para acessar o seguro. Já os agricultores mais capitalizados seguem contratando apólices sem apoio do governo. Para Toyama, isso distorce a política pública. “Os que mais precisam ficam descobertos, enquanto os grandes conseguem se proteger. É um paradoxo perigoso”, avalia.

A comparação internacional mostra a distância que o Brasil ainda precisa percorrer. Nos Estados Unidos, o Federal Crop Insurance Program cobre cerca de 90% da área agrícola, com subsídio médio de 60% do prêmio pago pelo produtor. No Brasil, a instabilidade orçamentária e a falta de previsibilidade de recursos têm gerado um modelo intermitente, que não oferece segurança nem para seguradoras, nem para agricultores.

Entre janeiro e agosto deste ano, o setor registrou queda de 6,7% na arrecadação (R$ 8,7 bilhões) e redução de 7,4% nas indenizações pagas (R$ 3,1 bilhões). Para Toyama, a tendência representa um retrocesso estrutural: “Sem seguro, o produtor quebra; o governo entra com programas de socorro, e o ciclo de dependência se repete. É financeiramente insustentável”.

A falta de cobertura securitária também compromete o acesso ao crédito rural. Bancos e cooperativas financeiras exigem seguro como contrapartida para liberar financiamentos, mas a escassez de subvenção tem encarecido os contratos. “O seguro se torna inviável justamente quando o crédito está mais caro”, afirma Toyama.

O alerta da CNseg ganha peso diante do papel do agronegócio na economia brasileira: responsável por quase 25% do PIB nacional, o setor deve alcançar 29,4% em 2025, segundo estimativas da CNA e do Cepea. Contudo, sem políticas de mitigação de risco, o avanço pode ser ameaçado por perdas causadas por secas, enchentes e ondas de calor — fenômenos que se tornam cada vez mais comuns.

Para os especialistas, revigorar o PSR e ampliar o alcance do seguro rural é questão de estratégia nacional. A proteção do produtor é também a proteção da segurança alimentar e da estabilidade econômica do país. “Sem um seguro rural forte, a agricultura brasileira fica vulnerável, o crédito encarece e a produção se torna refém do clima”, conclui Toyama.