Não é fácil encontrar um servidor público no planeta inteiro com a competência, objetividade, o conhecimento e a humildade de Marcos Prado Troyjo. Nascido no bairro paulistano de Perdizes. Pai com ascendência espanhola. Graduado pela Universidade de São Paulo (USP) em Economia e Ciências Políticas, realizou o doutorado na mesma instituição, na área de Sociologia das Relações Internacionais. Em 2005, apresentou tese de doutorado com o título: ‘Poder e a prosperidade: cenário mundial e nova economia’. Também foi aluno do Instituto Rio Branco e serviu durante dez anos como diplomata licenciado, em cargos como Secretário de Imprensa da Missão do Brasil junto às Nações Unidas e como parte da delegação do país no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), no biênio 1998 – 1999. Chefiou o gabinete do Departamento de Cooperação Científica e Tecnológica do Ministério das Relações Exteriores. Deu aulas em três universidades e palestras em vários países. Escreveu para jornais impressos e internet. E foi comentarista de sites nacionais e internacionais. Tem mais. Foi diretor do BRICLab, um centro de estudos sobre o Brics na Universidade de Columbia (Estados Unidos), onde também foi professor adjunto na School of International and Public Affairs (SIPA); Secretário Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia do Brasil.
Troyjo ainda foi um dos principais interlocutores das negociações da finalização do Acordo Mercosul e União Europeia, considerado por especialistas em política externa como um dos maiores tratados entre blocos econômicos da história do comércio mundial. Foi eleito por unanimidade para liderar o banco multilateral de desenvolvimento pelo Conselho de Governadores do NBD. Em fevereiro deste ano, por obrigação legal, deu lugar à ex-presidente cassada Dilma Rousseff. Um homem que é um show de elegância, conhecimento, competência e clareza. A Revista AgroRevenda encontrou o corintiano Marcos Troyjo durante o Syngenta One Agro 2023, em Campinas (SP). Não há como desperdiçar uma oportunidade assim. Confira.
AgroRevenda – Quem é Marcos Troyjo?
Marcos Prado Troyjo – Sou brasileiro. Paulista e paulistano das Perdizes, da Rua Franco da Rocha. Sempre gostei de fazer esportes, fui estudar Economia e Ciência Política, entrei no Instituto Rio Branco, em um concurso para seguir carreira diplomática, fiz mestrado na área de relações internacionais e sociologia, fiz doutorado lá também e pós-doutorado na Universidade de Colúmbia. Uma trajetória que combina estudo com atividade diplomática e internacional. E, depois, acabei indo para o setor privado. Mas sem deixar de lado os estudos, dar aulas.
AgroRevenda – Sua família teve influência em sua formação?
Marcos Prado Troyjo – Sempre. Eles insistiram para que eu frequentasse boas escolas, estudasse línguas, morasse no exterior e me especializasse. Assim, acabei dando aulas lá fora.
AgroRevenda – E depois?
Marcos Prado Troyjo – Mais tarde, quando o Paulo Guedes estava montando sua equipe econômica, fez um convite para eu integrar sua área externa e a gente criou a Secretaria Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais, que cuidaria das importações e exportações, mas também das relações com os bancos multilaterais, como o Banco Mundial e o Banco dos Brics.
AgroRevenda – Você, então, é um homem de sorte?
Marcos Prado Troyjo – Digamos que o apoio da família foi importante. Porém, o ditado diz que sorte é o encontro da competência com a oportunidade. Só que para ter competência é preciso trabalhar muito.
AgroRevenda – O que achou de participar de um encontro promovido por um gigante privado internacional do segmento?
Marcos Prado Troyjo – Agradavelmente admirado e satisfeito. Fiquei impressionado com o alcance, o número e a qualidade dos participantes. Muitos dados de pesquisa e desenvolvimento, produção, distribuição, logística. Gente de altíssimo nível, de diferentes setores do agronegócio. Comercialização externa, gerência, governança do agro. Foi uma honra participar.
AgroRevenda – Quais os desafios futuros do Agro Brasil?
Marcos Prado Troyjo – A trajetória do Brasil no Agro nos últimos cinquenta anos foi magnífica. Tanto que éramos um importador líquido de alimentos e hoje somos exportadores mundiais. Agora, o que tem de diferente para fazer do país um local de renda mais alta, empurrar o Brasil para frente, temos que ficar atentos. Se pegarmos as sete maiores, tradicionais e convencionais economias do mundo, o G7, (França, Canadá, Itália, Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e Japão), estaremos falando de um Produto Interno Bruto, medido pela paridade de compra, no valor de US% 50 trilhões. É o PIB combinado. Porém, se fizermos a mesma conta ao pegarmos os países emergentes mais crescem (China, Brasil, Índia, Indonésia, Rússia, México e Arábia Saudita), o que gosto de chamar de E7, teremos um PIB combinado de US$ 60 trilhões, 20% a mais do que os tradicionais G7. E isso é relevante para a produção de alimentos no Brasil porque quando você tem países com crescimento tão vertiginoso, uma população tão grande e rendas per capita razoavelmente baixas, em geral, a renda a mais vai para o consumo de alimentos, multiplica o consumo de calorias, nutrientes. Isso significa que essa demanda mundial numa área em que temos uma vantagem comparativa mudou muito.
AgroRevenda – E como aproveitar esse momento?
Marcos Prado Troyjo – Fazer frente à demanda externa, diversificar nossa produção de alimentos, agregar valor, melhorar nossa armazenagem, distribuição e operação portuária de comida, conquistar o consumidor internacional, que agora quer ofertas mais sofisticadas e, obviamente, nos fazer valer do fato da dicotomia da competência dentro da porteira e ineficácia da porteira para fora.
AgroRevenda – Como se dá isso?
Marcos Prado Troyjo – Num momento em que a demanda mundial por alimentos é tão forte, a falta de infraestrutura no Brasil não é mais só um entrave brasileiro e sim mundial. Temos que ficar atentos às oportunidades de atração de investimentos de infraestrutura de longo prazo, pois aumentarão ainda mais nossa produtividade. Logo, ter dificuldades com custos de investimentos e demora cronológica para erguer grandes obras precisam nos levar diretamente ao mercado internacional. Produzir um bem em Mato Grosso e chegar com ele ao litoral era um problema só nosso. Agora não. No ano passado estive em reuniões no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na reunião do clima no Egito, no congresso anual do Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial, e o tema da segurança alimentar estava em todo lugar, o tempo inteiro. De modo que, se a segurança alimentar é um tema no topo das preocupações, precisamos ver nossa postura como grande produtor de alimentos como mais uma chance de resolver nossa defasagem estrutural. Até pelo divórcio entre oportunidade de investimentos que remunerem o capital de forma adequada e a necessidade de infraestrutura básica. Mais uma vez, temos uma grande chance de resolver nossos problemas mais contundentes nas duas próximas décadas.
AgroRevenda – Como devemos agir para atrair investimentos com base em sua atuação no exterior?
Marcos Prado Troyjo – Nós temos uma equação política que deve funcionar a serviço da atração de investimentos e a promoção do Brasil no exterior. Essa é a lição que temos que aprender com países que tiveram grande êxito nesse sentido. Mostrar uma imagem, prosseguir nas reformas estruturais e se integrar com os grandes mercados internacionais. Minha experiência no Banco de Desenvolvimento foi muito interessante. Primeiro, fui Presidente do Conselho e depois Presidente Executivo. O banco surgiu em 2015, é como uma criança. De 2015 a 2019, aprovou US$ 600 milhões de dólares em financiamentos ao Brasil. De 2019 para cá, foram mais US$ 5,4 bilhões. Logo, neste período, foi multiplicado por nove o número de projetos para o nosso país. Agora, se levar em consideração o que o banco pode fazer e o tamanho das necessidades estruturais que o Brasil tem, a contribuição é modesta. Por outro lado, esses bancos multilaterais funcionam como indutores de financiadores institucionais, fundos soberanos, isto é, aumenta o número de atores numa atividade de financiamento a nosso favor.
AgroRevenda – E o futuro?
Marcos Prado Troyjo – Meu copo está meio cheio. Vejo a situação como se fosse um jogo de cartas e o mundo estivesse passando por um terremoto. A gente volta à mesa, as cartas são distribuídas novamente e o Brasil entra no jogo. Somos uma potência do agronegócio, da energia e do meio ambiente. A confluência dessas três características destaca o Brasil. Vai ocorrer o crescimento virtuoso. E ele será mais rápido se o Governo ajudar e resolver seus dilemas políticos internos. Digo mais uma vez: as características superam as divergências políticas ocasionais e eleitorais. Seremos um dos principais destinos de investimentos diretos na próxima década.
AgroRevenda – Se você fosse o Presidente da República do Brasil, o que faria daqui para frente?
Marcos Prado Troyjo – Para qualquer presidente, penso que nos próximos anos temos que continuar o processo de reformas estruturais. Em viagem recente à Singapura, ouvi diversas vezes que o nosso país está no sétimo ano consecutivo de reformas. Afinal de contas, essa é a maneira de absorvermos parte importante dessa recolocação de cadeias globais de suprimentos, que está saindo um pouco da China, buscando alternativas. O Brasil já foi o maior parque industrial do hemisfério sul. Para isso precisa das reformas. Entre elas, a tributária, que representa demais ao empreendedor. Nossa média de tributos é 10% superior a dos países emergentes. Se nos aproximarmos deles, vai sobrar muito mais dinheiro para ações em educação, tecnologia e ciência, que são os grandes multiplicadores de produtividade, que é nosso grande problema. Isso só ocorre com a economia de mercado, com o setor privado.
AgroRevenda – Podemos sofrer com a concorrência internacional?
Marcos Prado Troyjo – Isso já ocorre em diversos setores. China e Índia estão entre os quatro maiores produtores de alimentos do planeta, por exemplo. Porém, os chineses têm uma população enorme e precisam importar. E a Índia necessita fazer reformas de natureza social. Entre as maiores economias do mundo, aquela que tem acesso aos recursos hídricos, solo, meteorologia, trabalho duro e capacidade de produção é o Brasil.
AgroRevenda – Por que você citou a água?
Marcos Prado Troyjo – É o insumo mais básico para produção agrícola. Veja o caso mais grave, que é o da Índia. De cada 10 litros de água naquele país, 8,5 litros vão para as lavouras. Logo, eles precisam racionar para o uso pessoal, higiene, energia, etc. Aqui não. Outra comparação que gosto de fazer é com o Vale do Silício, berço da tecnologia no Estado americano da Califórnia. O silício é um elemento fundamental para a construção de inúmeros equipamentos eletrônicos. O Brasil pode ser o ‘Vale da Água’ do planeta. Lembro-me de um congresso de que participei na Índia. Um professor me falou sobre o comércio do futuro como o comércio de água do mundo. E também recordei uma explicação de um grande economista que conheci. Ele dizia que a China importa tanta soja porque o grão exige muito mais água do que o milho, que eles produzem bem até hoje. A água tecnológica brasileira será o grande fator de nova agregação de valor para nossa economia e nossa sociedade.
AgroRevenda – Por que o alimento é um tema que assusta tanto?
Marcos Prado Troyjo – Em 2050, a população mundial chegará a 10 bilhões de pessoas. Hoje, são oito bilhões. No período entre o nascimento de Jesus Cristo e 1927, a população mundial chegou a dois bilhões de pessoas. Nos próximos 27 anos, vamos ter um incremento populacional igual a uma nova China e uma nova Europa somadas. Outros dois bilhões. Um aumento que vai ocorrer essencialmente pelo crescimento líquido de apenas poucos países. Uganda, República Democrática do Congo, Índia, Paquistão, Indonésia, Etiópia, Tanzânia e um pouco dos Estados Unidos. É uma mudança muito dramática. É grave. Porque na confluência da participação do E7 no PIB mundial com essa explosão demográfica, o motor do crescimento mundial virá, sobretudo, dos emergentes, com grandes contingentes populacionais. Veja o caso da China. Em 2023, eles devem crescer em torno de 5%. Porém, vinte anos atrás cresciam 10% ou 11% ao ano. Só que eles têm hoje um PIB nominal de U$ 19 trilhões. Em 2001, era um PIB de US$ 2 trilhões. Naquela época, a base era uma contribuição para o PIB Global de US$ 40 bilhões. Hoje, a contribuição será de US$ 950 bilhões. Vinte vezes mais.
AgroRevenda – E o Brasil?
Marcos Prado Troyjo – Vamos pensar. A Índia deve crescer 5% ou 6% neste ano. Mais do que a China desde 2015. E valor igual à Indonésia. Duas nações com grande contingente populacional. É o mesmo que dobrar a renda per capita num período de doze anos. Num país rico, incremento assim é usado para comprar carro novo, casa nova. Nos emergentes, que crescem sobre bases muito deprimidas, as pessoas usam o dinheiro para comer mais e melhor. Logo, não podemos mais falar em super ciclos de commodities. É uma mudança estrutural da demanda mundial por alimentos, jogando lá para cima. É algo que não tem volta. Não é produzir, ser sustentável. É produzir mais. Aumento brutal da produção de alimentos. Agora, se isso é verdade, quem vai produzir esse alimento é o Brasil. Pois, dos quatro maiores produtores, o único que não tem problemas de importação ou recursos naturais é o Brasil. E isso tem sido demonstrado muito bem nos últimos anos.
AgroRevenda – E os resultados financeiros vão compensar?
Marcos Prado Troyjo – Em 2001, o comércio entre Brasil e China era de US$ 1 milhão por dia. Hoje, é de US$ 250 milhões por dia. Estamos estabilizando essa performance sem muito esforço. Somos uma fatia de 4% de tudo o que os chineses compram do mundo. Eles importam US$ 2,5 trilhões. Nós exportamos US$ 100 bilhões sem muito esforço. São R$ 500 bilhões. Quando participei do Governo Bolsonaro, na equipe do Ministro Paulo Guedes, sei do esforço para economizar R$ 1 bilhão na Previdência Social para não termos uma quebradeira. Tenho convicção de que seremos mais ricos em apenas uma geração, com renda per capita acima de US 20 mil ao ano. Podemos enriquecer bastante nos próximos 27 anos.
AgroRevenda – O senhor aposta em acordos bilaterais, como China e Mercosul?
Marcos Prado Troyjo – Não vejo isso como tão importante. Penso que devemos ter novos mercados e para produtos específicos e agregados. Frutas, carnes, derivados de leite. Como o Uruguai faz. Produtos de qualidade, bem embalados, estrategicamente colocados. Todos os países que viveram milagres econômicos depois da Segunda Grande Guerra Mundial, mesmo em diferentes regiões, com culturas distintas, regimes abertos ou fechados, usaram um intenso comércio exterior. Os países fechados ficaram para trás. Como Rússia, Turquia e um pouco o Brasil. Nossa dinâmica de abertura foi forte somente nos últimos quatro anos. Atingimos em 2022 uma corrente comercial de US$ 600 bilhões, batendo vários recordes. Se continuarmos nessa dinâmica traremos bastante benefícios à sociedade.
AgroRevenda – E os europeus?
Marcos Prado Troyjo – Com a União Europeia seria importante uma ligação por causa do fluxo de investimentos diretos. Grandes investidores encontram-se lá. Na Alemanha, França, Itália e Espanha. Apesar de atualmente exportarmos mais para Tailândia e Singapura. Sem falar que os europeus também perdem grandes oportunidades por estarem fechando ou ameaçando fechar o mercado para nós. Agora, estou muito impactado por um estudioso do Goldman Sachs que analisou o mercado de commodities e concluiu que o importante não é a explosão de preços e vendas dos grãos ao longo do tempo e sim de investimentos em capital que se segue aos dois primeiros fenômenos. O Brasil precisa estar atento para receber esse dinheiro.
MARCOS PRADO TROYJO
• Nasceu em São Paulo – Capital
• Graduado em Economia e Ciências Políticas | USP
• Empresário, cientista social, diplomata, escritor e economista
• Presidiu o New Development Bank (Banco dos Brics)
• Pessoa do Ano em Comércio Exterior – Fundação Brasileira de Estudos de Comércio Exterior