A discussão, por enquanto, é dominada pelo enfoque econômico. Afinal, um tarifaço com taxas adicionais de 50% sobre os produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos, de fato, abalam estruturas de dezenas de segmentos e de milhares de empresas brasileiras. Mas pode-se ter diferentes olhares para essa questão cheia de nuances geopolíticos. Tanto quanto barreiras comerciais, tarifas podem trazer também no seu bojo obstáculos à transição verde, inviabilizando incentivos à produção responsável. Não há sustentabilidade se não houver mercado e não há mercado se não for economicamente viável e justo.
Não há justiça de mercado quando países exigem sustentabilidade na produção agrícola global, mas adotam políticas comerciais que punem justamente quem produz de forma responsável. Como sustentar a transição verde se o mercado internacional penaliza e distorce as regras do jogo? O caso concreto da adoção do tarifaço americano sobre os produtos brasileiros elucida bem a criação de um mecanismo perverso, que age contra a adoção de práticas sustentáveis na produção agropecuária – isso para nos limitarmos ao segmento em que atuamos. Mesmo que algumas exclusões tenham sido anunciadas, com a retirada de alguns produtos da lista, a sinalização de instabilidade regulatória e a ameaça de aplicação de tarifas persistem.
As exceções não revertem o impacto sistêmico. A medida afeta a confiança no ambiente de negócios sustentável, mesmo quando parcialmente flexibilizada. E, então, esse impacto direto é óbvio: a perda de competitividade de produtores brasileiros nos EUA, incluindo, claro, aqueles de origem responsável. Já o impacto indireto se dá justamente pelo desincentivo à produção sustentável. Boas práticas, muitas vezes, demandam custos adicionais aos produtores, com uma suposta remuneração diferenciada pelos mercados mais exigentes. Mas se esses mercados deixam de existir pela inviabilidade dos preços acrescidos com tarifas inexplicáveis, não há perspectiva de retorno para o investimento dos produtores.
Ações como o tarifaço americano, assim, desestimulam a sustentabilidade quebrando o principal incentivo possível: o acesso ao mercado internacional com valorização. E, de certa forma, empurram os produtores rurais para mercados marginais. Como exigir que o produtor preserve floresta, adote agricultura regenerativa ou faça gestão social em suas propriedades se os países que exigem rastreabilidade, critérios ambientais e ESG fecham suas portas com taxas exorbitantes ao invés de premiar boas práticas?
Em mercados desorganizados e imprevisíveis, não só o produtor fica sem norte. Investidores e gestores de fundos e programas voltados para o incentivo à produção responsável, ou bancos de fomento se retraem pela percepção de que os recursos que destinariam ao desenvolvimento socioambiental da agropecuária corre o risco de se perder, sem causar o impacto que seria esperado em um ambiente comercial de regras claras e estáveis.
Para que a sustentabilidade avance em escala, precisamos deixá-la de ser dependente exclusivamente de subsídios e torná-la, de fato, um bom negócio. Isso envolve criar mecanismos de precificação, indexação a risco, valorização de dados e remuneração por desempenho. No entanto, enquanto essas estruturas de mercado ainda se consolidam, o apoio de programas e fundos com créditos incentivados continua sendo fundamental, especialmente porque, hoje, o custo da sustentabilidade recai, em grande parte, sobre o elo mais vulnerável da cadeia: o produtor rural.
Ao invés de sobretaxar, países desenvolvidos e ávidos pela produção responsável, deveriam começar a introduzir incentivos alfandegários à importação de produtos sustentáveis. Seria uma forma de ajudar países produtores a formalizar e organizar sua agropecuária, o que traria benefícios não apenas locais, mas em escala global. Escala, aliás, que, ao lado da lógica de mercado, é fundamental para sustentabilidade. Se o mundo quiser produção agrícola sustentável de verdade, precisa se abrir a ela, e não fechar portas com lances de conflito comercial. Mais do que evitar tarifas, é preciso que acordos comerciais multilaterais passem a reconhecer e formalizar critérios sustentáveis como diferencial competitivo legítimo. Essa é uma via real para destravar o financiamento climático e premiar quem atua com responsabilidade.
Aline Locks é CEO da Produzindo Certo