O produtor rural brasileiro e o pedido de recuperação judicial

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Ao fazermos uma retrospectiva do ano de 2024, constatamos um número recorde de pedidos de recuperação judicial no agronegócio. Segundo a Serasa Experian, os pedidos de recuperação judicial, entre produtores rurais como pessoa física, aumentaram 523%. Um número preocupantemente elevado. 

O ano de 2024 não foi favorável para o agronegócio, com problemas que já se manifestavam desde 2023. Duas safras consecutivas ficaram abaixo do ideal, por causa de questões climáticas, de preço, além de conjecturas externas (guerras e oscilação política). Contudo, esses fatores isoladamente não justificariam um aumento tão expressivo nos pedidos de recuperação judicial. É inegável que alguns escritórios de advocacia também atuaram para convencer produtores rurais em dificuldades (ou não) de que esse processo seria uma alternativa viável a ser considerada. 

Vale ressaltar também que o instituto da recuperação judicial nas mãos erradas pode ser sinônimo de planejamento financeiro equivocado. Conhecemos casos de empresas que usam a recuperação judicial de modo antiético e temerário, ou seja, conseguem descontos à força, a qualquer preço, porque os credores são obrigados a conceder o desconto por conta da ordem judicial. Agem assim como um planejamento financeiro. Renovam a frota, compram produtos dos fornecedores, substituem o maquinário e, em seguida, pedem recuperação judicial. Há muita gente usando a recuperação judicial nesse sentido. Muitos produtores, sem experiência em todas essas situações, sem contato prévio com esse tipo de assessoria, optaram pela recuperação judicial. 

Basicamente, o que é a recuperação judicial? A Lei nº 14.112/2020 alterou a Lei de Falências e de Recuperação Judicial (Lei nº 11.101/2005), trouxe a possibilidade do produtor rural pessoa física requerer um plano de recuperação judicial similar àquele destinado aos microempresários individuais. Permitindo, desta forma, que produtores rurais pessoa física solicitassem recuperação judicial. Antes disso, apenas produtores rurais com registro na Junta Comercial por pelo menos dois anos podiam solicitar o benefício. De forma simplificada, recuperação judicial é o que antigamente se conhecia como concordata. Trata-se de um mecanismo utilizado quando uma pessoa ou empresa não consegue mais cumprir seus compromissos financeiros da maneira tradicional. É um processo judicial que busca a reestruturação da empresa em dificuldades econômicas, permitindo a renegociação de suas dívidas por meio da apresentação de um plano, que deverá ser seguido para o pagamento dos credores. Mas o que leva uma pessoa ou empresa a recorrer a esse recurso? 

Antes que a empresa quebre ou venha a falir, existe a possibilidade de solicitar a recuperação judicial. A legislação atual é mais avançada do que a antiga concordata, tendo como principal objetivo permitir que a empresa se reestruture. Contudo, em muitos casos no setor agropecuário, essa medida não era realmente necessária, especialmente porque esse processo abala a credibilidade da empresa e, até mesmo, do nicho de mercado como um todo. 

A recuperação judicial permite a organização de todos os débitos, com exceção dos débitos tributários e daqueles garantidos por alienação fiduciária. Por isso, atualmente, os bancos utilizam amplamente esse instituto. Antes, era comum a hipoteca de terras; hoje, adota-se a alienação fiduciária. Esse mecanismo transfere, praticamente, a propriedade ao banco, que só exerce seus direitos sobre ela em caso de inadimplência. Se o juiz deferir o pedido, o solicitante, em regra, dispõe de seis meses para obter a aprovação do plano, prazo que, em alguns casos, pode ser prorrogado. A aprovação depende de votação dos credores em assembleia, quando podem ser negociados descontos e períodos mais longos. Muitas vezes, os advogados trabalham para que os agricultores consigam uma redução de 80% de um débito, com prazos de até 20 anos para pagamento.  

Analisamos vários pedidos, conhecemos produtores e empresas envolvidos como credores e concluímos que, em diversos casos, ainda não havia necessidade desse recurso. Quem se beneficia com a recuperação judicial? Normalmente, é o devedor, quando bem feita. E, em casos extremos, os credores acabam sendo beneficiados também, porque o processo organiza as dívidas e permite que todos recebam um pouco; ou seja, a vantagem é evitar a falência, como o próprio nome indica: recuperação. Em outras situações, os credores assumem parte da operação do devedor, o que nem sempre pode ser a opção cogitada para aqueles que usam desse mecanismo. 

Imaginemos uma situação: o devedor pede recuperação, faz uma negociação com um banco que não tinha alienação fiduciária e esse banco entra no rol de credores. Ele obtém uma redução de 50% do valor dos débitos e parcela isso em 10 anos. Com esse banco, dificilmente a empresa ou o produtor rural conseguirá operar futuramente. Se o empresário ou o produtor rural incluírem nesse processo praticamente todos os seus financiadores, como trabalharão no curto prazo depois? Quais serão suas fontes de financiamento? Dificilmente um produtor ou uma empresa que entrou em recuperação tem lastro ou caixa para isso. 

Todas as etapas, tanto a gestão do processo quanto a manutenção da atividade posterior, com fontes de financiamento e caixa, são essenciais. A empresa pode sair até mais forte, mas esse mecanismo não pode ser utilizado de forma precipitada, como vimos em casos recentes, nos quais, empresas e produtores, inviabilizaram suas atividades futuras. 

Há outras soluções antes de se chegar à recuperação judicial, como parcerias de negócio. Em algumas localidades, o produtor pode ter um parceiro local para adquirir sua produção ou fornecer insumos. Se ele tiver opções e estiver bem ciente do que está fazendo, essa é uma alternativa viável e menos onerosa.

Eduardo Berbigier é advogado tributarista, especialista em Agronegócio, membro dos Comitês Juridico e Tributário da Sociedade Rural Brasileira e CEO do Berbigier Sociedade de Advogados.

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