O Brasil está no centro de uma reconfiguração geopolítica global. Com a China consolidada como seu maior parceiro comercial e os EUA iniciando um novo ciclo político sob Donald Trump, o país precisa equilibrar interesses estratégicos, econômicos e diplomáticos. A marca dos 50 anos de relações Brasil-China em 2024 e a reeleição de Trump criam um momento crucial para refletir sobre o papel do Brasil entre essas potências.
Enquanto os EUA adotam uma política protecionista que exclui aliados históricos, a China fortalece sua posição como parceiro indispensável para o Brasil e a América Latina. Prova disso é a recente imposição de tarifas sobre produtos americanos, como carvão, gás liquefeito e petróleo, em resposta às sanções comerciais aplicadas por Washington. A China também está restringindo a exportação de minerais críticos essenciais para diversas indústrias, intensificando a disputa comercial e tecnológica com os EUA.
A relação Brasil-China evoluiu de um intercâmbio comercial para uma parceria estratégica. A China é o principal destino das exportações brasileiras, com o comércio bilateral superando os US$ 150 bilhões em 2024. Produtos como soja, minério de ferro e carne bovina dominam a pauta, mas há uma diversificação crescente, com maior presença de manufaturados e tecnologia.
Além do comércio, o investimento chinês no Brasil cresceu (e muito). A BYD inaugurou uma fábrica na Bahia com aporte de R$ 3 bilhões, consolidando o Brasil como hub regional de mobilidade sustentável. Empresas chinesas também participam de projetos estratégicos, como o Trem Intercidades em São Paulo e a ampliação da malha de energia renovável. A China se tornou um ator-chave na transição energética brasileira, investindo em parques solares e eólicos.
O laço entre os dois países se fortalece também no campo cultural e educacional. Em 2026, o Ano Cultural Brasil-China celebrará essa relação por meio de intercâmbios acadêmicos e produções cinematográficas. O número de estudantes brasileiros na China cresceu 25% nos últimos cinco anos, refletindo o interesse na cooperação educacional.
Se a China se consolida como parceiro estratégico, os EUA seguem como ator fundamental para a economia brasileira. O comércio bilateral com o país da América do Norte movimenta cerca de US$ 80 bilhões ao ano, com forte presença de produtos industrializados e investimentos em tecnologia, energia e serviços financeiros.
Mas é preciso olhar em perspectiva. Em seu primeiro mandato, Trump impôs barreiras comerciais ao aço e alumínio brasileiros e pressionou mudanças na política externa. Seu retorno pode reativar tarifas e impactar setores estratégicos, como o agronegócio. Além disso, os EUA vêm reforçando sua influência na América Latina, exigindo do Brasil maior habilidade diplomática.
A crescente disputa comercial e tecnológica entre China e EUA coloca o Brasil diante de desafios e oportunidades. O avanço chinês em setores como inteligência artificial e computação quântica, aliado à sua capacidade industrial massiva, impulsiona um novo ciclo de competição global. Os EUA, por sua vez, tentam frear esse crescimento impondo sanções e investigações antitruste contra gigantes tecnológicas chinesas.
O Brasil precisa fortalecer sua autonomia e evitar disputas geopolíticas que não favorecem seus interesses. A diplomacia brasileira pode atuar como mediadora global, fortalecendo o multilateralismo e sua posição internacional.
A presidência do Brasil no G20 em 2024 e a realização da COP30 em Belém o colocam no centro dos debates sobre desenvolvimento sustentável. O país também tem papel relevante no Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), liderado por Dilma Rousseff, oferecendo alternativas financeiras para o Sul Global.
O Brasil não precisa escolher entre China e EUA, mas sim consolidar-se como um ator global independente e influente, capaz de transitar entre diferentes blocos e aproveitar oportunidades. Para isso, é essencial investir em inovação, infraestrutura e qualificação profissional, garantindo preparo para os desafios do século XXI.
Nos próximos anos, a capacidade do Brasil de equilibrar suas relações internacionais será determinante para seu crescimento e relevância global. O caminho para a prosperidade passa por uma diplomacia ativa, pragmática e centrada nos interesses nacionais.
Thomas Law é advogado, doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, presidente do IBCJ (Instituto Brasileiro de Ciências Jurídicas), do Instituto Sociocultural Brasil China (Ibrachina) e fundador do Ibrawork, um hub de open Innovation