Na jornada de transformação para um agronegócio mais responsável, o primeiro passo é assumir compromissos. Tornar públicas as intenções de produzir de forma socioambientalmente correta, reduzir emissões de gases de efeito estufa, promover ações positivas nas cadeias de fornecimento, é sempre uma indicação relevante de que uma empresa (ou governo) vai se mover em direção a esse objetivo. O segundo passo, porém, tem se mostrado mais complexo. Muitas das melhores intenções não resultam em impacto real, pelo menos no ritmo desejado, talvez por não refletirem a realidade das pessoas, empresas e mercados que deveriam ajudar a transformar. Entre a vontade e a prática há um longo percurso a ser percorrido, repleto de desvios e obstáculos.
É louvável e desejável que grandes companhias do agronegócio (traders, indústrias de alimentos, grupos têxteis ou de energia) prontifiquem-se a vocalizar o discurso da sustentabilidade. Elas têm recursos e visibilidade para impactar tanto quem está dentro das porteiras quanto os demais elos das grandes cadeias produtivas, até chegar ao consumidor. A conversa, porém, precisa conter mais que palavras, pelo menos quando tratam com o produtor rural. A experiência recente de muitas empresas na implantação de seus programas de sustentabilidade revela que elas não têm sido muito eficientes na missão de incentivar agricultores e pecuaristas a adotarem novas práticas — pelo menos não no ritmo necessário para que elas consigam cumprir as metas previstas nos compromissos que assumiram.
Não se trata de um problema localizado em uma região do Brasil. O jornal americano The New York Times publicou recentemente uma grande reportagem mostrando como companhias como Cargill, Pepsico, Walmart e General Mills têm encontrado dificuldade para difundir, entre produtores americanos, suas propostas para que eles se adequem a novos protocolos que atendam às suas novas políticas de ESG. Segundo o jornal, somando seus anúncios recentes, essas quatro empresas prometeram convencer seus fornecedores a converter cerca de 28 milhões de hectares para técnicas de agricultura regenerativa até 2030. Isso é o equivalente a 18% da área cultivada nos Estados Unidos. Mas não estão obtendo adesões no ritmo necessário. Ao contrário, mesmo oferecendo benefícios como custeio parcial da conversão e pagamento pelo carbono sequestrado no solo, têm ouvido dos fazendeiros que os incentivos são insuficientes para cobrir os novos custos que vêm junto com a mudança no modelo produtivo.
Causa e consequência
O sentido de urgência que acompanha qualquer discussão em torno da transformação dos negócios — incluindo os agrícolas — não pode desconsiderar a realidade das pessoas neles envolvidas. Mesmo que a causa seja boa, é preciso medir as consequências de se acelerar processos sem atentar para questões sociais e históricas. Nas últimas semanas, dois fatos aparentemente distantes e desconectados demonstraram o impacto social que a imposição de medidas vendidas como ambientalmente positivas, mas não devidamente alinhadas com quem produz, pode gerar. No Sri Lanka, pequeno país ao Sul da Índia, uma revolta popular derrubou o presidente depois que o governo adotou uma nova política agrícola, proibindo a importação de fertilizantes e agroquímicos com o objetivo de tornar o país o primeiro do mundo a ter uma produção totalmente orgânica. Já na Holanda, uma onda de protestos de agricultores (que depois se espalhou por outros países europeus) fechou estradas e provocou prejuízos a vários setores após o governo local decidir impor uma redução drástica no uso de fertilizantes nitrogenados. O objetivo é reduzir em 12% a poluição baseada em nitrogênio até 2030. Em algumas regiões consideradas “mais sensíveis”, as emissões de óxido de nitrogênio teriam de baixar em 95% até oito anos. De acordo com os produtores, a medida pode resultar na extinção de pelo menos 30% das fazendas holandesas.
Cesta de incentivos
A lição que se aprende, tanto nos exemplos privados quanto na reação a políticas públicas mal calibradas, é que não há boa intenção que pare em pé sem que seja baseada em viabilidade. E não se estabelece programas viáveis sem observar de perto o problema e conversar com quem está diretamente envolvido com ele. O agronegócio é notoriamente parte da solução para as questões climáticas e, por isso, é natural que seja frequentemente listado nos compromissos de empresas e países. O setor entende que deve dar sua contribuição, mas é preciso que algumas questões sejam debatidas com seriedade quando se define programas de incentivo e se estabelece metas que envolvem a adesão de produtores rurais. Vejamos:
Assim, é preciso ter em mente que, para gerar os incentivos necessários para convencer o agropecuarista a transformar seu modelo produtivo, é preciso buscar ovos em várias cestas. Na Produzindo Certo, por exemplo, buscamos sempre aproximar os vários players que atuam junto a um mesmo produtor, para que, somados, possam oferecer algum diferencial significativo. Se somarmos um diferencial de taxa que um banco pode oferecer a um preço especial de uma revenda de insumos e algum pagamento pelo excedente de floresta e, no final, um bônus, ainda que pequeno, na comercialização do produto, aí sim a conta ficará positiva. E a conversa com o produtor vai começar a fluir.
Aline Locks é engenheira ambiental, cofundadora e atual CEO da Produzindo Certo.
Receba nossa newsletter semanalmente. Cadastre-se gratuitamente.