2 de dezembro de 2022

O compromisso setorial para segurança alimentar

O mundo tem vivido seguidas disrupções no fornecimento global de proteína animal. Em 2018, vimos a China experimentar os mais severos episódios de Peste Suína Africana (PSA), que dizimaram 40% do rebanho chinês e geraram um devastador efeito na oferta do país asiático. Responsável por metade da produção global da proteína, a China foi às compras e incrementou as importações de todos os grandes produtores, entre eles o Brasil. Anos depois, uma nova crise sanitária se alastrou pelo planeta — e não falo, aqui, da triste pandemia de Covid-19. Refiro-me aos incontáveis focos de Influenza Aviária, que causaram estragos severos pela Ásia, Europa e América do Norte no início deste ano. Agora, mais recentemente, mesmo com casos da doença em aves não comerciais detectados na Colômbia e no Peru, o controle sanitário brasileiro tranquiliza o mercado internacional.

Ambas crises anteriores tiveram efeitos diretos no comércio internacional de carne de frango do Brasil. Enquanto a China e outras nações impactadas pela PSA buscaram alternativas para suprir a demanda interna por proteína animal — e a carne do Brasil foi uma delas —, exportadores relevantes, como Estados Unidos, França e Canadá, entre tantos outros produtores, se viram às voltas com a imposição de restrições totais ou parciais das exportações por diversas nações pelo planeta, em função dos surtos de Influenza Aviária.

O Brasil, que já ocupa o primeiro lugar nas exportações mundiais de carne de frango há mais de uma década, viu a presença global aumentar ao longo desse período. Os embarques anuais cresceram de maneira ininterrupta desde 2018 e alcançaram o volume anual de 4,6 milhões de toneladas em 2021. Para efeitos comparativos, os EUA, em segundo lugar, exportou no ano passado pouco mais de 3,3 milhões de toneladas. Exportamos tanta carne de frango quanto a Rússia produz — e ela é a sexta maior produtora mundial. Estes fatos evidenciam nossa presença e papel como fornecedores globais, para mais de 150 nações pelo planeta. Ainda ressaltam nossas responsabilidades e protagonismo no tabuleiro do comércio mundial de alimentos, onde construímos reputação pautada na alta qualidade, status sanitário reconhecido pelas instituições internacionais, grande capacidade de customização dos produtos e sustentabilidade do início ao fim do processo produtivo.

Qualidade
Com relação à qualidade, entendemos que nosso papel como produtores mundiais de alimentos tende aos ganhos de produtividade e preservação do status alcançado ao longo destas cinco décadas de avicultura industrial. Aqui cabe entender que qualidade vai muito além do atendimento a parâmetros técnicos e sanitários. É um fator de imagem, percebido por meio da transparência dos processos. O consumidor — brasileiro ou internacional — enxerga diferencial no produto que atende às próprias exigências, que vão além dos selos obrigatórios, como o de inspeção. Neste escopo, as agroindústrias vem buscando tornar cada vez mais claros e abertos os processos produtivos. Desde a integração de tecnologias que permitem  a rastreabilidade do produto até a adoção de estratégias de marketing com uma experiência de consumo personalizada que supere expectativas, a partir de novas embalagens, cortes e produtos.

Obviamente — e invertendo o conhecido ditado — não basta parecer, é preciso ser, de fato, o que o consumidor espera. Neste sentido, as empresas têm atuado de forma bastante arrojada em todo o processo produtivo, com foco na redução de perdas e manutenção da qualidade. Os debates sobre a adoção de técnicas como a lavagem de carcaça, que reduz desperdícios e garante a qualidade dos produtos, são um exemplo disto. O manejo dos animais com atenção total ao uso racional  de antimicrobianos são outro ponto, dentro da perspectiva dos conceitos de Saúde Única — com respeito à saúde humana, animal e ambiental, em todos os níveis —, que veio para ficar e que encontrou em nosso setor produtivo um porto seguro.

Status sanitário
Na Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) não nos cansamos de exaltar algo que é orgulho nacional: nunca registramos Influzenza Aviárias em nosso território! É uma conquista sem equivalentes na avicultura mundial, entre os maiores produtores e exportadores. Fruto de muito trabalho e robustez de um sistema sanitário reconhecido mundialmente pela excelência, com participação dos órgãos governamentais, da nossa entidade, das agroindústrias e dos produtores rurais. Neste momento, esta conquista tem feito a diferença. Vimos os níveis de exportações crescerem significativamente ao longo do ano, com média de exportações superando 400 mil toneladas mensais. Um novo recorde deve ser registrado pelos exportadores brasileiros em 2022.

Há mais de duas décadas a Influenza Aviária dita o comportamento do mercado internacional. No Hemisfério Norte — que abriga a maior parte dos grandes players produtores e exportadores avícolas —, enquanto crises de abastecimento se desenham, ocorre também o inflacionamento de produtos e o aumento da demanda externa. Este não é um quadro que deve ser alterado no curto prazo. Apesar das pesquisas para o desenvolvimento de vacinas para o enfrentamento da Influenza Aviária, ainda não há perspectivas imediatas de implantação de medidas além das já adotadas por estas nações. As estratégias estão voltadas para a prevenção por meio de campanhas e ações de comportamento industrial, como a movimentação de pessoas nas unidades produtoras. Há uma tendência de retomada do confinamento de aves que seguiam modelo de produção livre. Os ciclos de ocorrências nos períodos de frio do Norte tendem a se repetir, demandando ao Brasil a manutenção dos níveis de produção e de capacidade de escoamento.

Customização
Este é um ponto que se entrelaça na percepção de qualidade. Aqui, entretanto, gostaria de contemplar o que demandam as nações importadoras. Hoje, figuram entre os principais destinos de exportações do Brasil: China, Japão, União Europeia e nações do Oriente Médio. Nações tão diferentes, mas com um ponto em comum: a demanda por produtos de alta especificidade. No Japão, por exemplo, há demanda por um corte exclusivo, o kakugiri, corte retangular a partir da sobrecoxa das aves, que cabe perfeitamente no tamanho padrão dos espetinhos japoneses, além da pele, bastante utilizada por lá. Na China, os pés das aves tem padrões de qualidade pré-estabelecidos: praticamente toda a produção deste nicho segue para aquele mercado, para consumo como snack. No Oriente Médio, há cortes específicos para a produção da tradicional shawarma, que aqui conhecemos como “churrasco grego”, além, claro, de acordo com as diretrizes do permitido pelo islã, o halal. E, por fim, para a União Europeia, saem peitos cozidos, com receitas que atendem as demandas dos processadores.

Aqui fica clara uma característica própria do Brasil como exportador de carne de frango: a versatilidade e a capacidade de atender a nichos de mercados. O Brasil, como estratégia, atua com o propósito de preencher lacunas, em complementaridade à produção local, atendendo e respeitando gostos e culturas locais. Assim ocorre nas 150 nações onde o país se faz presente. Esta é uma tendência que seguirá crescente ao longo dos anos — e que devemos buscar atender com eficiência. Quanto maior o nível de processamento interno, maior a agregação de valor, a rentabilidade, o emprego e a renda gerada pelo setor. Entretanto, há obstáculos que ainda nos travam rumo a este futuro, como burocracias para o desenvolvimento de novos produtos. Nesse quesito, nossos concorrentes internacionais — como a Tailândia — caminham a passos largos em pesquisa e desenvolvimento.

Sustentabilidade
Aqui está um grande calcanhar de aquiles para o Brasil. Não pelo que temos e fazemos e, sim, pelo que mostramos ao mundo. Nenhuma nação possui um código florestal com a rigidez da lei brasileira ou possui patamares de preservação de mata nativa equivalentes aos nossos. Poucas nações contam com energia limpa e renovável nos padrões do Brasil. Empresas do nosso setor mantêm compromissos de Net Zero. Padrões de sustentabilidade social, econômica e ambiental norteiam o trabalho das cooperativas, um dos principais motores de desenvolvimento econômico e distribuição de renda que existe. Entretanto, ainda sofremos com a ideia internacional de um Brasil que desmata para produzir. Não faltam iniciativas e esforços coordenados com o propósito de alterar esta percepção, como as ações encabeçadas pela ABPA junto a mercados estratégicos e as iniciativas intersetoriais do PAM Agro.

Mas o protecionismo muitas vezes impulsiona atitudes pouco éticas que resultam em ataques indevidos, injustos e, principalmente, difíceis de reverter. Um dos casos mais emblemáticos foi a campanha (ou cruzada) dos produtores de aves sul-africanos contra o Brasil, que findou na imposição de tarifas cujo único propósito foi proteger um pequeno e seleto grupo de grandes produtores locais de carne de frango. Os reveses não findaram, entretanto, os esforços brasileiros com o objetivo de expor ao mundo uma visão mais justa e honesta sobre o nosso papel como fornecedores de alimentos seguros e sustentáveis para o mundo. Ao contrário: os esforços crescem e, com eles, os resultados. O maior exemplo disto é o incremento das exportações para diversas das nações que figuram entre as mais protecionistas. Temos claro o nosso papel e nossa posição no comércio global, como protagonistas pela segurança alimentar e atuando complementarmente às produções locais. Temos sido constantemente convocados a apoiar as nações e assim nos estabelecemos como líderes mundiais de exportações. Faz parte da nossa história, tem sido o nosso presente e faremos de tudo para que seja o nosso futuro.

Luis Rua é diretor de mercados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).

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