Nos fatos da arena internacional dos últimos 30 dias, as tensões comerciais fizeram com que a taxa de crescimento do comércio global de mercadorias diminuísse. A Organização Mundial do Comércio (OMC) estima em apenas 1,2%, contra 3% do ano passado e bem abaixo do que estimou para 2019 em abril deste ano: 2,6%. Para 2020, esperam 2,7% de crescimento, dependendo das confusões no mundo. O PIB global deve crescer 2,3%, contra 2,8% de 2018. São muitas incertezas, desde Trump x China, Brexit, protestos em países, entre outros.
Na economia brasileira, as notícias são melhores, pois o último Relatório Focus mostra a taxa Selic fechando este ano e o próximo em 4,5% e o IPCA em 3,29% e 3,60%, respectivamente. Para o PIB prevê-se um crescimento de 0,92% e 2,0% neste e no próximo ano e o câmbio ficaria em R$/US$ 4,00 nos dois dezembros. Há um crescimento nítido do otimismo, com a Bolsa batendo recordes, a moeda se valorizando e consultorias revisando os números do crescimento para o próximo ano, com o ímpeto reformista do Governo e do Congresso. Estou mais animado com os efeitos da confiança e dos juros menores!
Do agro internacional, no imbróglio EUA x China, tivemos a promessa de maiores compras de produtos do agro americano pelos Chineses, mas por enquanto mais promessas que fatos. Saltou aos olhos a importação de suínos pela China em setembro, que foi de 166 mil toneladas, 76% maior do que no mesmo mês de 2018. De carne bovina, foram importadas 150 mil toneladas, 50% a mais. Já as importações de soja caíram 13,5%, ficando em 8,2 milhões de toneladas em relação a agosto. Desde janeiro, as compras chinesas foram de 64,5 milhões de toneladas, 8% menor, o que era esperado.
Graças à peste suína africana (ASF) na China, em relação ao plantel de suínos, informações do Ministério da Agricultura do país mostram que este é 41% menor que o de um ano atrás. O relatório da FAO de 10/10 trouxe aumento em mais de 400 mil abates, chegando a 6.692.399 suínos sacrificados nos países asiáticos por causa da contaminação. Focos cresceram no Vietnã, mas também no Laos, Coreia do Sul, Filipinas e Camboja, simplesmente 60 focos a mais em um mês. Preços da carne suína estão provocando impactos na inflação dos alimentos nestes países.
Os preços nos supermercados chineses estão 84% maiores em um ano e o Governo liberou reservas para controlar e tentar subsidiar. O Rabobank estima que a produção de carne suína no país cairá 25% em 2019, e em outros países da Ásia, provocando de 3 a 5 anos de turbulências. O quadro irá melhorar com a disponibilidade de vacinas e melhorias na biossegurança. Isto criará inflação de preços e problemas a outros importadores de carnes no mundo, e para o Brasil uma oportunidade, traduzida em aumento do número de plantas brasileiras habilitadas, que pulou de 64 para quase 90 em um mês e nos volumes e preços de exportações. Temos de aproveitar e tomar medidas drásticas para que o problema não contamine a produção brasileira, que é o maior risco.
Novo relatório de oferta e consumo de soja e milho nos EUA mostra importantes números. Na soja, a safra foi revisada para baixo, para 96,62 milhões de toneladas, contra 98,87 do mês anterior, graças à queda de produtividade de cerca de 1 saca/ha. A área está entre 30,96 e 30,59 milhões de hectares. Com isto, caíram os estoques também em 5 m.t., estimados agora em 12,52 m.t., contra as 17,42 m.t.anteriores. O USDA estima a produção mundial em 338,97 m.t., contra 341,39 milhões na anterior, com queda de 4 m.t. nos estoques. Estimam 123 m.t. para o Brasil, sendo que o Brasil deve exportar 76,5 m.t.. A China deve produzir 17,1 m.t. e comprar 85 m.t.
Para o milho, o USDA espera 350 m.t., praticamente o mesmo número da estimativa anterior, plantados em 36,38 milhões de hectares, com estoques nos EUA caindo cerca de 5 m.t. Para o mundo, estimam 1,1 bilhão de toneladas, sendo 101 m.t. no Brasil. Devemos exportar cerca de 34 m.t., número próximo das exportações da Argentina. As últimas perspectivas indicam clima bom para terminar a colheita americana. Nesta semana, já foram colhidos 52% do milho, contra 75% na média dos últimos cinco anos, e na soja 75%, contra 87% da média. Portanto, esta variável risco climático na colheita está quase saindo da nossa análise mensal.
O ponto negativo à agricultura brasileira foi o briefing das projeções agrícolas do USDA a serem lançadas em fevereiro de 2020, divulgado no início de novembro. A expectativa é de retorno às condições climáticas normais e uma mega safra nos EUA, que deprimirá os preços com amplo volume de estoques. Com menor crescimento da economia, o impacto será ainda maior. As projeções indicam crescimento na área de milho em 5%, e de soja em 10%. Isto levará uma produção recorde de milho em 393 milhões de toneladas, em 38 milhões de hectares e da soja a quarta maior, em 114 milhões de toneladas, colhidas de 34 milhões de hectares. Os estoques no início da colheita de 2021 seriam de mais de 10 semanas de consumo, no caso do milho e o terceiro maior da história, no caso da soja. Com isto, o USDA espera um preço médio de US$ 3,4/bushel em 2020 para o milho e US$ 8,85 para a soja. Ducha de água gelada.
No dados de outubro, percebe-se que as queimadas no Brasil estão em linha com a média dos últimos dez anos, e apesar de ter arriscado meu comentário, estava certo. Foi uma grande “fakenews” a febre mundial de que a Amazônia estava queimando. O importante é analisar e aprender com o fato. Pelo Ministério das Relações Exteriores, a pressão em cima dos produtos brasileiros devido à questão da Amazônia veio de três frentes: Organizações Não Governamentais (ONGs); empresas no varejo europeu, e parlamentos da União Europeia e dos Estados Unidos.
Mais alguns números do Brasil: as exportações do agro caíram 3,9% em relação a setembro de 2018, somando US$ 7,75 bilhões contra US$ 8,06 bilhões (MAPA). O Complexo soja caiu 11,6% ainda como consequência da peste suína, somando US$ 2,1 bilhões. As carnes sofreram queda de 8,1%, vendendo US$ 1,3 bilhão (carne bovina US$ 607,2 milhões, queda de 13,1%; carne de frango US$ 530,1 milhões; e carne suína US$ 123,8 milhões, aumento de 31,6%). Não consigo entender a queda de bovinos e frangos.
Na conta dos cereais, farinhas e preparações, onde se encaixa o milho, as vendas foram de US$ 1,1 bilhão (75,2% maiores). Os produtos florestais caíram 22,4%, ficando em US$ 880,9 milhões. As importações brasileiras recuaram 2,1% e o superávit foi de US$6,7 bilhões, 3,9% menor. O complexo sucroenergético exportou US$ 603,9 milhões em setembro, uma queda de 24,0% frente ao ano anterior. O açúcar caiu em 31,8% em setembro, chegando a US$483,57 com volume exportado de 1,72 milhões de toneladas. No etanol, as exportações aumentaram 41,5% em setembro, chegando a US$ 119,37 milhões.
Vale destacar o café. De janeiro a setembro de 2019, é o maior número dos últimos cinco anos com 30,4 milhões de sacas, 27,7% maior que o ano passado. A receita foi de US$ 3,8 bilhões, 6,5% maior. O café robusta foi o que mais cresceu, com quase 74%. Em 12 meses, são 42,2 milhões de sacas exportadas, recorde histórico. EUA com 19%, Alemanha com 16%, Itália com 9%, Japão com 7% e Bélgica com 6% foram os principais mercados. Cerca de 19% do total é certificado, considerado café diferenciado.
O censo de 2017 do IBGE indica a presença de 5,073 milhões de estabelecimentos agropecuários em 351 milhões de hectares, pouco menos que os 5,176 milhões registrados em 2006 em 333,7 milhões de hectares. São 4,108 milhões próprios (81%), 320,3 mil arrendados (6,3%) e o restante está ainda em estabelecimentos ocupados, sem titulação definitiva ou parcerias. Na questão da evolução de áreas, as próprias ficam ao redor de 300 milhões de hectares e os arrendados dobraram de tamanho em 10 anos, chegando a 30 milhões de hectares. O Censo Agropecuário 2017 mostra que cresceu o uso da terra em 17,6 milhões de hectares. 71% dos produtores brasileiros tinham mais de 45 anos.
Segundo estudo da Embrapa Territorial, no bioma Amazônia temos cerca de 815 mil agricultores, 90% de pequeno porte. Quase 13% da sua área está ocupada com agricultura, sendo 10,5% com pastagens (44,1 milhões de hectares) e 2,3% com lavouras (9,66 milhões de ha). O estudo mostrou que menos de 0,5% da produção de cana, 2% do algodão e da laranja, 5% do café, 8% do milho e 10% da soja vêm desta região. A vegetação nativa está em 84,1% do bioma Amazônia, ou 353 milhões de ha. Com as partes de água, são 86% preservados. Em 2018, nesta área, ocorreu cerca de 29 mil desmatamentos, com 7 mil km2. As queimadas são feitas pelos produtores há décadas para, segundo a Embrapa, renovar as pastagens, combater incidência de carrapatos, eliminar os restos de lavouras e fertilizar os solos com as cinzas.
Preocupação adicional ao agro é a possibilidade de revisão do convênio 100 (1997) que permitiu a redução da base de cálculo do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) para entre 4,9% e 8,4% nas movimentações de insumos agropecuários (fertilizantes, defensivos e sementes), podendo aumentar de 7 a 12%. A Agroconsult calcula que o custo dos fertilizantes comprados pelos produtores pode saltar de R$ 46,7 bilhões para R$ 54,2 bilhões. Ameaça que precisa ser debelada.
Temos de olhar a velocidade de plantio da nossa safra, pois depender do clima pode colocar em risco o milho segunda safra. Até o momento, segue em bom ritmo no Mato Grosso, mas atrasada no Paraná. A primeira estimativa da CONAB para a safra 2019/20 mostra crescimento na produção. A área cresce 1,1%, chegando a 63,9 milhões hectares e a produção chegará em 245,8 milhões de toneladas, 1,6% ou quase 4 milhões de toneladas a mais em relação ao vitorioso 2018/2019. O algodão fica em 1,4 milhão de hectares (1,1% a mais) produzindo praticamente a mesma quantidade (2,72 milhões de toneladas de pluma); na soja teremos 36,57 milhões de hectares, crescendo 1,9% a área e chegando a 120 milhões de toneladas (aumento de 5 m.t.), e no milho teremos 17,54 milhões de hectares produzindo 98,4 m.t. (aproximadamente 1,5 m.t. a menos), já refletindo o atraso no plantio da primeira safra.
Os cinco fatos do agro para acompanhar agora diariamente em novembro são:
1) O início do plantio da nossa safra e o comportamento do clima. Estamos atrasados em algumas regiões, e a preocupação precisa sair;
2) O fechamento da safra dos EUA e o andamento da colheita, com os riscos climáticos praticamente se reduzindo nesta fase final;
3) As novas estimativas de impacto da peste suína africana na Ásia e nos preços e quantidades de carnes importadas neste último trimestre do ano esperando reação do setor no Brasil;
4) As questões comerciais de China e EUA, que pouco caminharam no mês em direção a acordo, apesar de alguns aumentos nas exportações americanas;
5) O andamento das reformas e seus impactos ao agro, seja na valorização do real câmbio como em outros tributos.
Ao terminar esta coluna, os preços da soja entregues em cooperativa de SP estavam a R$ 83 a saca agora, e R$ 80 para março. O milho em março estava R$ 42 agora e R$ 34 em junho de 2020. Eu venderia um pouco, pois acredito que não teremos problemas climáticos e insisto na apreciação do Real.
Bom mês a todos!
Professor Doutor Marcos Fava Neves é titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP em Ribeirão Preto e da EAESP/FGV em São Paulo, especialista em planejamento estratégico do agronegócio.