O acordo de Schengen é um tratado assinado por países europeus que permite a livre circulação de pessoas entre eles, sem a necessidade de passaportes ou controles fronteiriços. Ele foi assinado em 1985 por cinco países: Alemanha, Bélgica, França, Luxemburgo e Países Baixos. O acordo foi firmado na cidade de Schengen, município de Luxemburgo, que faz fronteira com Alemanha e França. Mas somente entrou em vigor em 1995. Ele também prevê uma cooperação em questões de segurança, como o combate ao crime transfronteiriço. Importante frisar que o acordo permite a livre circulação entre os cidadãos dos países membros, sendo que para fixar residência, cada país indica critérios adicionais. Os países que fazem parte do acordo, concordam em aplicar as mesmas regras de visto e imigração, facilitando a viagem dentro da área Schengen. É importante notar que nem todos os países da União Europeia fazem parte do espaço Schengen, e nem todos os países do espaço Schengen são membros da UE. Desde 1995, mais países europeus aderiram ao acordo, expandindo para incluir a maioria dos países da UE, bem como alguns países não membros, como a Noruega, a Suíça e a Islândia.
Exatamente por ser o um marco para o início do bloco comercial europeu, que as manifestações do dia 07 de fevereiro foram realizadas em Schengen. O munício, além de estar na tríplice -fronteira; Luxemburgo, Alemanha e França, localiza-se muito próximo da Bélgica, menos de 70 km de Arlon, uma região de relevante produção agropecuária daquele país. Soma-se à emblemática imagem de Schengen, o fato de a manifestação ser fomentada por associações e sindicados de jovens agricultores. Eles reuniram, segundo as instituições organizadoras, entre 200 e 300 tratores, e cerca de 350 agricultores que enfrentarem a chuva e os ventos frios de uma manhã gelada de inverno.
Uma coletiva de imprensa, com os líderes das associações envolvidas, foi realizada em quatro idiomas – luxemburguês, alemão, francês e inglês. Algo marcante entre estes países, que os jovens estão fortemente mobilizados, unidos em suas associações: “Juventude Rural de Lëtzebuerger e Jongbaueren”, “Fédération des jeunes agriculteurs” belga, os “Jeunes agriculteurs de Moselle” e a Juventude Rural do Sarre. Para eles, o bloqueio da Ponte de Schengen foi um símbolo contra a atual política agrícola da União Europeia. O Brasil figura sempre como uma ameaça aos setores agropecuários destas nações. Em todos os discursos, o país é referenciado como um exemplo negativo para a soberania alimentar na Europa. Mas, sem dúvidas, há meios para equilibrar este cenário.
É óbvio que a competitividade do produto alimentar brasileiro é muito maior que o produto europeu. Enquanto na Europa grande parte das áreas de produção ficam “paradas”, afinal a neve impede a produção, mesmo que não haja neve, há sempre geadas e o solo amanhece congelado, no Brasil, o país praticamente desconhece temperaturas como estas, e ainda podem ter duas safras num mesmo ano. Só este fator já seria uma imensa vantagem. Somam-se a isto, a luminosidade, abundância de águas e diversidade de solos que colaboram. E, certamente, os custos de mão de obra acabam impactando fortemente nesta diferença. De fato, os jovens agricultores europeus devem ficar preocupados.
Por outro lado, as queixas também precisam ser apreciadas. Eles questionam a paridade de exigências, já que estão submetidos a rígidos controles, nem sempre evidenciados pelos concorrentes do outro continente. Por certo, este é um fator que pode bloquear qualquer negociação, afinal em transações comerciais, especialmente entre os países, deve-se ter similaridade dos requisitos. Este é o momento que pode beneficiar alguns empreendimentos brasileiros. Anteriormente ao acordo, em relação às questões tarifárias, somente 24 das exportações brasileiras se beneficiavam de não serem tarifados na UE. Pelo acordo, 92% das importações do Mercosul e 95% das linhas tarifárias estarão nesta categoria. Há um leque imenso de produtos que poderão adentrar a UE com muita competitividade em relação aos produtos locais.
Apesar de todos estes pontos positivos, em relação aos produtos oriundos do Mercosul, a ausência de rastreabilidade, incluindo do processo, na maioria dos produtos agropecuários, será um entrave para a comercialização na UE. Mesmo existindo programas de certificação, como a Produção Integrada, com normas que atendem conceitos internacionais, mas concebidas dentro da realidade tropical, ou 4C e GlobalGap por exemplos, os volumes produzidos sob estes conceitos, que devem ser auditados e chancelados por uma certificação de terceira parte com acreditação, ainda é pequeno.
Dentro das reivindicações de equivalência de requisitos, os aspectos sociais são amplamente utilizados como argumentos contrários à importação de produtos brasileiros. Outro fator é que o Brasil peca em não se comunicar corretamente com o mercado consumidor. Há grandes exemplos, como cooperativas, que fazem uma distribuição de renda ao longo da cadeia que facilmente configuraria como comércio justo, claro adequando em todos os requisitos. Mas, as ofertas dentro deste processo, de forma geral, ainda são bem incipientes.
O Brasil tem um imenso potencial e sabe como atender as demandas dos clientes, quando há interesse. Os abates religiosos (halal e kosher), apesar de serem conflitantes com questões de bem-estar animal, como a ausência da insensibilização, a própria legislação permite algumas práticas desde que sejam destinados a estes processos. Diversas empresas estão em aderência aos conceitos, pois, é um requisito limitante para adentrar em alguns mercados (islâmico e judaico).
Do mesmo modo que houve uma adequação dos fornecedores, para comércio de produtos halal e kosher, o mesmo deverá ser feito para comercializar na UE. Há consumidores ávidos por informações e a comunicação com o cliente deve ser realizada de forma intensa. Assim, para adentrar às grandes cadeias varejistas, que dominam os mercados dos países da Europa, demonstrar a qualidade e a rastreabilidade dos produtos e processos, deverá ser uma premissa imperativa. O acordo descortina um potencial de comercialização muito grande, mas exigirá uma maior profissionalização em relação à garantia da qualidade do produto.
Roberta Zuge é médica veterinária e membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS)