As horas in itinere, ou horas de deslocamento, consistem na obrigação da empresa em computar o tempo que o seu colaborador leva para chegar ao trabalho como horas efetivamente trabalhadas, nas situações em que o empregador fornece a condução e o local de trabalho é de difícil acesso ou não servido por transporte público.
Esse regramento foi primeiramente tratado através da Súmula 90 do TST, e posteriormente inserido na CLT através do parágrafo 2º do artigo 58, sendo utilizado tanto para os trabalhadores urbanos quanto para os rurais, até a entrada em vigor da Lei 13.467/2017, também conhecida como “reforma trabalhista”, a qual alterou substancialmente a redação do parágrafo 2º do art. 58 da CLT, levando ao entendimento de uma exclusão por completo das horas de deslocamento.
A reforma trabalhista trouxe muitas mudanças, levando o Tribunal Superior do Trabalho a reconhecer a necessidade de uniformizar o entendimento sobre quais contratos de trabalho seriam afetados por essas alterações. Tratando, inclusive, se a reforma seria válida para os contratos de trabalho que já existiam antes da sua entrada em vigor.
Entretanto, no que diz respeito às horas in itinere do trabalhador rural, a discussão traz consigo questões ainda mais profundas do que o tema atualmente debatido no TST. Tendo em vista que, a depender do resultado do julgamento pelo TST, as alterações implementadas pela reforma trabalhista poderiam ser aplicadas tão somente para os contratos de trabalho que se iniciaram após novembro de 2017, não sendo válidas para os contratos de trabalho que já estavam em curso.
Ocorre que, no caso específico dos trabalhadores rurais, as horas de deslocamento podem ser devidas até mesmo para contratos iniciados após a reforma trabalhista. Nesse sentido foi a decisão, ainda não transitada em julgado, do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (Tema 27), perante o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região – Campinas, o qual entendeu que a nova redação do parágrafo 2º do art. 58 da CLT, estaria restrito a locais de fácil acesso, ainda sendo devidas as horas in itinere para locais de difícil acesso ou sem transporte público, tal qual a grande maioria das propriedades rurais.
Em igual sentido, temos decisões de outros Tribunais Regionais do Trabalho que mantêm a obrigatoriedade das horas in itinere para rurais, mesmo para contratos iniciados após a reforma trabalhista, sob o fundamento de que a CLT, e consequentemente a nova redação do art. 58, não seriam aplicáveis a essa categoria, devendo ser aplicada o quanto expresso na Lei 5.889/73, criada especificamente para regular as relações de trabalho rural, embora não haja qualquer previsão de horas in itinere em seus artigos.
O atual cenário envolvendo as horas de deslocamento dos trabalhadores rurais reforça ainda mais a insegurança jurídica na aplicação imediata das alterações promovidas pela reforma trabalhista, principalmente no que diz respeito aos direitos que foram com ela suprimidos, evidenciando a necessidade de uma atuação jurídica estratégica na tomada de decisões por parte dos empregadores.
Porém, é importante destacar que com o julgamento do Tema 1.046 pelo STF, foi reconhecida a validade de norma coletiva de trabalho que limita ou restringe direito trabalhista não assegurado constitucionalmente, ou seja, para grande parte dos Tribunais, é possível alterar ou suprimir o pagamento das horas in itinere através de negociações coletivas, reforçando a necessidade latente de se investir nas relações entre empregadores e sindicatos nos tempos atuais.
Matheus Freschi França é advogado Trabalhista
no escritório Marcos Martins Advogados