4 de novembro de 2021

Conferência sobre Mudanças Climáticas (COP 26) e a ciência segmentada

Às vésperas da Conferência sobre Mudanças Climáticas (COP 26), parece que todos têm soluções mágicas para conter o aquecimento global. A grande maioria oferece soluções simples e erradas, como a de que o modo mais fácil e barato de reduzir emissões é zerar o desmatamento. Não é simples nem barato, tanto do ponto de vista ambiental como econômico e social. O problema, como sabemos, é muito complexo. O efeito no ambiente é um sintoma, resultado de uma interação muito complicada de fatores, passando pela industrialização, pela urbanização, pelo desenvolvimento social e econômico, pela produção de alimentos e matérias primas, além de componentes culturais e de educação, e provavelmente outros fatores.

Lógico que o Brasil está sob uma imensa lente de aumento, principalmente nestas ocasiões. Pouco sabe o mundo de nossas soluções, pois não existem adolescentes interessados nisso, mas muito sabe sobre nossas dificuldades, alardeadas muitas vezes como pecados cometidos deliberadamente.

Em situações assim é importante ter muita calma, muito discernimento da verdade científica, e não correr para soluções aparentemente simples dadas pela ciência segmentada. Há algumas semanas um grande jornal publicou que São Felix do Araguaia seria a segunda cidade com maior emissão de carbono no mundo. Muito mais que as grandes metrópoles cheias de carros, caminhões e ônibus. Isso porque o rebanho bovino é muito grande. Um deputado chegou ao absurdo de sugerir um imposto sobre o boi, punindo a emissão de carbono. Sim, sobre os combustíveis fósseis e sobre a boiada… A tal da ciência segmentada. A culpa é do boi. O negócio é que é muito mais fácil medir o carbono emitido pela agricultura e pecuária do que medir o sequestro de carbono pelo solo. É muito mais fácil seguir as Gretas da internet do que levar em conta o programa boi carbono zero divulgado pela EMBRAPA.

Se encontra no jornal que as concentrações de óxido nitroso e metano são hoje mais que o dobro daquelas observadas em 1750 e que esses gases são principalmente emitidos pelas atividades agropecuárias. Ora, nossa agricultura absorve metano, ou seja, o balanço de metano nas áreas agrícolas brasileiras é negativo. Nossa agricultura tira metano da atmosfera. Hoje temos dados consolidados mostrando que as emissões de óxido nitroso em nossos sistemas agrícolas são pelo menos 4 vezes menores que aquelas consideradas inicialmente pelo IPCC.

A tal da ciência compartimentada, especialização em excesso. As emissões têm sido majoritariamente avaliadas e modeladas por diversos cientistas das mais diversas especialidades, mas ainda poucos especialistas em matéria orgânica, em carbono do solo. Há resultados mostrando que nossos sistemas integrados lavoura pecuária, com rotação de culturas, podem sequestrar ao redor de 3 t de carbono por hectare por ano, às vezes mais, quando o componente floresta entra na equação. Voltando ao boi. O boi emite metano, mas esse carbono do metano vem do pasto, que o tira da atmosfera. Trata-se de ciclagem de carbono, não de simples emissão. E o interessante é que o pasto fixa mais carbono no solo do que o emitido, em muitos casos de pastagens bem manejadas. Mas isso não dá muita audiência nas mídias sociais. Infelizmente.

Então, minha gente, precisamos parar de ler e ouvir somente as manchetes. Um resultado científico precisa de interpretação, de ponderação entre causas e efeitos. Não é à toa que são necessários quase 30 anos de estudo para se formar um doutor.

Ciro Rosolem, vice-Presidente de Comunicação do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS) e Professor Titular da Faculdade de Ciências Agrícolas da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.

 

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