Nos últimos meses, a disparada dos preços dos alimentos tem impactado diretamente o orçamento das famílias brasileiras, sobretudo as de baixa renda. De acordo com dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a inflação dos alimentos fechou 2024 com alta de 8,23%, revertendo a tendência de queda registrada no ano anterior. Esse fenômeno não apenas pressiona o custo de vida, mas também amplia as desigualdades sociais, atingindo de forma mais intensa aqueles que já destinam a maior parte de sua renda para a alimentação.
O consultor financeiro e mestre em negócios internacionais André Charone explica que a inflação dos alimentos impacta de maneira desproporcional os mais pobres. “Enquanto famílias de maior renda conseguem remanejar seus gastos e buscar alternativas, as classes menos favorecidas não possuem essa flexibilidade. Para quem ganha um salário mínimo, um aumento de 20% no preço da carne ou do arroz significa abrir mão de outros itens essenciais do dia a dia.”
Os vilões da alta dos alimentos – Entre os produtos que mais encareceram em 2024 estão a carne bovina (com alta de 20,8%), a laranja (91%), o óleo de soja (29,2%) e o café moído (39,6%). O aumento expressivo da laranja, por exemplo, foi motivado por problemas climáticos que reduziram drasticamente a produção. “Quando falamos de inflação alimentar, estamos tratando de um efeito cascata. Uma quebra de safra impacta os custos para o produtor, que repassa o preço ao consumidor final. No Brasil, essa dinâmica é ainda mais severa devido à dependência do mercado externo para insumos agrícolas”, destaca Charone.
Além das questões climáticas, fatores macroeconômicos também impulsionam os preços. O dólar, que chegou a ultrapassar os R$ 6,00, encareceu insumos como fertilizantes e trigo, impactando toda a cadeia produtiva. “O câmbio tem um efeito direto sobre os alimentos, pois muitos itens consumidos internamente dependem de insumos importados. Isso sem falar nas commodities agrícolas, como a soja, que têm preços atrelados ao mercado internacional”, pontua Charone.
A desigualdade na mesa do brasileiro – O impacto da inflação dos alimentos é desigual: enquanto as classes A e B podem adaptar seus hábitos de consumo ou buscar alternativas mais baratas, a população de baixa renda sente a pressão de forma mais direta. Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a alta dos alimentos tem um peso duas vezes maior sobre as famílias mais pobres em relação às mais ricas.
“Se uma família de classe média reduz o consumo de carne e opta por frango, ela ainda mantém um nível nutricional adequado. Já uma família em situação de vulnerabilidade pode acabar cortando proteínas essenciais e substituindo por alimentos ultraprocessados e menos nutritivos”, alerta Charone.
O que pode ser feito? – Diante desse cenário, o governo tem avaliado medidas para conter a alta dos preços, incluindo a redução de tarifas de importação e estímulos à produção nacional. No entanto, segundo Charone, essas ações precisam ser acompanhadas de políticas sociais eficazes. “Não basta apenas reduzir a inflação dos alimentos; é necessário garantir que a população tenha acesso a eles. Programas de transferência de renda, incentivos à agricultura familiar e subsídios para a produção de itens básicos são essenciais para equilibrar esse jogo.”
Além disso, especialistas recomendam que os consumidores busquem formas de driblar a inflação, como a diversificação na alimentação e a compra de produtos sazonais, que tendem a ter menor variação de preço. “A educação financeira se torna ainda mais importante nesses momentos. Pequenas mudanças de hábitos podem fazer diferença no orçamento familiar”, sugere Charone.
Perspectivas para 2025 – Apesar da expectativa de uma supersafra para este ano, a estabilidade dos preços ainda é incerta. “O Brasil é um grande produtor agrícola, mas a volatilidade climática e as pressões internacionais ainda são fatores de risco. Precisamos de estratégias estruturais, e não apenas medidas emergenciais, para garantir a segurança alimentar da população.”, conclui.
O fato é que, enquanto o preço da comida continua subindo, milhões de brasileiros seguem sacrificando sua alimentação para fechar as contas do mês. A inflação dos alimentos não é apenas uma questão econômica, mas um problema social que exige atenção e políticas públicas eficazes para evitar o agravamento da desigualdade no país.
André Charone é contador, professor universitário, sócio do
escritório Belconta – Belém Contabilidade e do Portal Neo Ensino.