Pobreza, miséria, exclusão econômica. Desemprego, analfabetismo funcional, exclusão social. Violência. Somos especialistas em diagnóstico. Temos a capacidade singular de identificar os males que afligem nosso país. Mapeá-los. Catalogá-los. Fazer estatísticas e promover seminários, simpósios, dissertações, teses e livros.
Após mais de três décadas de abertura política continuamos reféns do Estado, depositando no governo todas as esperanças de uma nação mais justa e equilibrada, o qual, mesmo batendo recordes de arrecadação, ainda insuficientes para equilibrar as contas públicas, não implementa políticas sociais capazes de reduzir as disparidades e desigualdades na distribuição de renda, optando apenas pela prática assistencialista.
Não basta saber, é preciso também aplicar; não basta querer, é preciso também agir.” (Goethe)
Assim, passamos a assumir uma nova retórica: a do Terceiro Setor. Do sofá de nossa casa assistimos na TV à grande festa dos artistas em favor de iniciativas como Criança Esperança. Pegamos o telefone, discamos alguns números, fazemos uma doação e, com isso, amainamos nosso sentimento de culpa. Praticamos indulgência moral.
Outros se acastelam em seus escritórios. Reúnem-se em grupos e resolvem constituir uma entidade sem fins lucrativos batizada de Organização não Governamental (ONG). Então, começam uma incessante busca caça-níqueis em defesa de um grupo ou de um interesse específico.
Muitas têm caráter relevante. Outras simplesmente não têm caráter. Algumas têm estatuto, princípios, objetivos e metas. Outras se esquivam ao término da primeira ação porque a coleta de centenas de quilos de alimentos não perecíveis será suficiente para justificar o mea culpa por longos e longos meses.
Enquanto isso há os que executam uma revolução silenciosa. Pessoas que antes de reclamarem da sujeira exposta nas ruas resolvem varrer calçada e meio-fio em frente à própria residência. Pais que orientam os filhos sobre o perigo e a insanidade das drogas antes de clamarem por ações incisivas por parte da segurança pública. Empreendedores que capacitam seus próprios empregados e visitam suas residências para avaliar as condições em que moram.
É claro que estamos diante de uma situação que margeia o risco de rompimento do tecido social. É evidente que esperamos do gestor público maior eficiência e transparência na aplicação de nossos recursos. Mas podemos – e devemos – de posse de nosso patrimônio cultural, semear a prática da solidariedade, como uma atividade de nosso cotidiano, inserida em nossas agendas, como conteúdo programático. Não necessitamos esperar a chegada do próximo Natal para nos preocuparmos com a questão da fome. Não precisamos aguardar o advento do inverno para nos sensibilizarmos com o problema do frio. Atitudes admiráveis, honrosas, estão ao nosso alcance agora. Basta cultivarmos e disseminarmos certos comportamentos como profissão de fé.
Ao contrário do que se apregoa, não vivemos num mundo de escassez, mas de abundância. O que existe é suficiente para todos e o ganho de uma pessoa não precisa ser a perda de outra. Por isso, livre-se dos excessos. Doe o que não lhe apresenta mais utilidade – roupas, calçados, livros, brinquedos. Doe seu tempo, apenas uma fração dele, em favor de sua comunidade, no uso de seus melhores atributos, de seu ofício. Leia para um idoso, brinque com uma criança, converse com um enfermo. Pinte uma parede de escola, conserte um portão de um posto de saúde. E acima de tudo, compartilhe seu conhecimento.
Não é preciso ir longe. Comece pelo seu bairro, sua rua, seu condomínio. Ou mesmo pelo seu quintal. Começar já é metade de toda a ação. Difundir a prática poderá ser a outra metade.