Por conta do aquecimento global, existe uma certa pressão internacional para a redução de combustíveis fósseis. Os países da Europa parecem ser os mais apressados com a criação de um calendário de transição muito apertado. Difícil acreditar que vão conseguir, pois há toda uma questão de mudança na infraestrutura existente, mas o esforço existe. Para nós brasileiros, que já usamos o etanol como combustível na maioria de nossos veículos, a pressa é bem menor. O álcool polui menos e como tem origem vegetal, as próprias plantações contribuem para a captura de carbono da atmosfera. Para simplificar, de acordo com especialistas, parte dos gases oriundos da queima do etanol é absorvida pela própria plantação de cana-de-açúcar.
Se não bastasse ser mais sustentável, o álcool ainda contribui para que a gasolina aqui no Brasil seja menos poluente. É que por lei, a gasolina precisa ter 27% de etanol misturados. Aproveito aqui para falar também do diesel. Atualmente, ele tem 12% de biodiesel – óleo feito a partir de mamona, palma e até mesmo soja – adicionados com o mesmo propósito de reduzir as emissões. Em ambos os casos existe ganho ambiental, mas também econômico, pois toda a cadeia produtiva desses combustíveis é beneficiada. Não por acaso, o setor sucroalcooleiro está presente em muitos Fiagros (Fundos de Investimentos nas Cadeias Produtivas do Agronegócio), pois se trata de um setor forte, essencial e lucrativo.
De certo modo, a adoção do carro elétrico pode prejudicar os produtores de álcool, pois vai contribuir para a redução do consumo. Justamente dele que já é considerado bastante sustentável. No entanto, ações adotadas no Brasil recentemente, e a notícia de que o setor de petróleo começou a se juntar com os produtores de álcool nos Estados Unidos mostram que a conversão da matriz energética deve demorar bem mais do que o planejado.
No ano passado, foi aprovado um projeto para aumentar a adição de etanol na gasolina dos atuais 27% para 30% até 2030. A partir de março deste ano, a adição de biodiesel no diesel subirá dois pontos percentuais, dos atuais 12% para 14%. Isso representa um incremento respeitável e terá impacto bastante positivo no setor. A expectativa é que também favoreça Fiagros expostos a esses segmentos e incentive a criação de novos fundos com estes tipos de ativos.
Nos Estados Unidos, a notícia é de que, antes inimigos, produtores de petróleo e etanol estão se juntando para reduzir custos e emissões e, de certa forma, atrasar ao máximo a eletrificação do setor automotivo. Lá, as gigantes dos combustíveis fósseis começaram a investir mais em fontes renováveis e o etanol é uma delas. Atualmente, a maior parte da gasolina vendida nos Estados Unidos contém 10% de etanol (E10), podendo chegar a 15% (E15). Curiosamente, por lei, a mistura E15 é proibida nos meses de verão por uma questão “ambiental”. É que o calor aumentaria a evaporação do álcool gerando um impacto na atmosfera que a Agência de Proteção Ambiental daquele país quer evitar.
Porém, o poderoso lobby do petróleo já se juntou ao do agro e conta com apoio de políticos no Congresso estadunidense para mudar as regras. Isso adicionaria bilhões de litros a mais no mercado, fortalecendo os produtores rurais deste ramo, mantendo as petrolíferas no páreo econômico. Pode até parecer uma luta para evitar a descarbonização da atmosfera, mas a iniciativa tem seus méritos.
Um deles, claro, é ajudar a popularizar o etanol por lá – e isso também pode ser bom para o Brasil em termos de exportações. Outro ponto é que usando o álcool para reduzir emissões, a indústria ajuda a dar mais fôlego para a transição, que necessita de muito, mas muito investimento mesmo na adequação da infraestrutura hoje baseada em combustíveis líquidos, mas que mudará para a eletricidade. Não se faz essa mudança de uma hora para outra.
Resumindo, tudo isso não só prolonga o uso de combustíveis vegetais como gera uma demanda maior. E o investidor dos Fiagros será um dos grandes beneficiários dessas iniciativas por longos anos ainda. Reforçando que no futuro, quando só existir carro elétrico, mesmo assim a humanidade continuará a consumir etanol, pois ele tem outros usos e é sustentável. Apenas a demanda será menor, mas ainda haverá oportunidades.
*André Ito é CEO da MAV Capital