Assim como a indústria pesada investiu na modernização de seus processos de fabricação para ganhar competitividade, melhorar a produtividade e reduzir custos, o agribusiness também tem agora à disposição um conjunto de novas ferramentas tecnológicas que permitem a integração de toda cadeia, do plantio ao prato, criando aos agricultores condições até então inexistentes para suprir o mercado de alimentos.
De acordo com o último Censo Agropecuário, divulgado há poucos dias pelo IBGE, o acesso à Internet entre os produtores rurais cresceu 1790% na comparação com o último levantamento realizado em 2006, passando de 75 mil para 1,4 milhão de áreas agrícolas conectadas.
O estudo comprovou que a conectividade já é mais do que uma realidade na zona rural. Com a infraestrutura de rede pronta, a revolução no campo virá (e já está vindo) da parceria das startups de agritech com a indústria alimentícia, uma aliança que irá gerar forte impacto no ganho de eficiência e rentabilidade, desde a lavoura até o varejo.
É fato. A indústria nunca esteve tão próxima do agronegócio. E os beneficiados deste casamento seremos todos nós, inclusive e principalmente você, consumidor.
Conectadas na nuvem e cada vez mais digitais, as fazendas se equiparam tecnologicamente para otimizar insumos, diminuir o desperdício e melhorar a segurança da produção de alimentos. Municiada por sensores, satélites, drones e aplicativos, uma nova geração de agroempreendedores têm nas mãos soluções valiosas para praticar uma agricultura gerenciada a partir de dados colhidos na lavoura e analisados em tempo real, o que permite tomar decisões estratégicas que irão influenciar fortemente a utilização de recursos e matérias primas ao longo do ciclo produtivo.
E isto muito interessa, claro, às grandes empresas da indústria alimentícia.
A demanda por tornar a indústria mais eficiente e também mais sustentável, um desafio frente ao risco latente de escassez de recursos naturais, será um dos motores da revolução digital em curso no agronegócio e já está abrindo um novo mercado para agtechs que desenvolvam tecnologias capazes de ajudar os fabricantes a ter uma visão detalhada de toda cadeia produtiva.
Este movimento ganhou força nos últimos anos nos Estados Unidos com a aproximação de grandes indústrias multinacionais do setor de alimentos e das estrelas da tecnologia com startups, criando uma nova onda de empresas que serão as protagonistas desta nova agricultura digital.
Além do corporate venture e de fusões e aquisições bilionárias, o venture capital também registrou forte crescimento no setor no ano passado. De acordo com levantamento feito pela Finistere Ventures com a PitchBook, em 2017 os fundos de investimento (há pelo menos 30 nos Estados Unidos focados em agtechs) aportaram mais de US$ 1,5 bilhão em startups de tecnologia agrícola, atraindo o apetite de mais de 300 investidores diferentes, que fecharam mais de 160 rodadas. Dez anos antes, em 2007, foram investidos menos de US$ 200 milhões em 31 aportes.
A tendência de parcerias entre as companhias tradicionais do setor agrícola com startups começou a se espalhar para novos mercados e já chegou por aqui no Brasil. É o caso da aliança entre a Coca-Cola, através da marca de sucos Del Valle, e a Agrosmart.
O desafio era minimizar os efeitos da crise hídrica que atingiu os pequenos produtores e cooperativas de frutas do Espírito Santo que abasteciam a fabricante. Com a implantação da plataforma digital da Agrosmart, os agricultores passaram a ter informações sobre quanto e quando deveriam irrigar as plantas, economizando 30% de água e aumentando a produtividade em 10%.
Outras grandes do agribusiness também já lançaram suas aceleradoras e programas de mentoria para startups agtech brasileiras, como a Basf com o AgroStart, organizado em parceria com a ACE e que oferece até R$ 150 mil em investimento. A Monsanto participa do Fundo BR Startups, que investe em startups de inovação tecnológica para o agro e foi criado pela Microsoft Participações em associação com a Qualcomm Ventures. A Syngenta foi a mais ousada e partiu para as compras adquirindo a agtech brasileira Strider.
O namoro das grandes indústrias de alimentos globais com o ecossistema de startups é crescente e reúne programas como o HENRi, da Nestlé, que financia novos negócios com um aporte de US$ 50 mil e tem como alvo modelos que desenvolvam embalagens sustentáveis e soluções para reduzir o desperdício nas cadeias de suprimentos.
A primeira startup selecionada pela multinacional suíça foi a Kakaxi, que oferece uma plataforma de serviços para conectar agricultores e consumidores. A empresa realizou transmissões ao vivo de fazendas da Colômbia que são fornecedoras para marca Nespresso, revelando aos clientes da Nestlé a produção do café desde a colheita.
No ano passado, grandes investimentos foram realizados em agtechs exponenciais, como a Plenty, que cultiva fazendas urbanas, um negócio com grande potencial global considerando o aumento populacional nas grandes cidades e a necessidade de autosustentabilidade decorrente da falta de alimentos para atender o crescimento demográfico.
A startup atraiu o SoftBank Vision Fund, capitaneado pelo bilionário japonês Masayoshi Son, que, em sociedade com outros dois bilionários, Eric Schmidt e Jeff Bezos, através de suas empresas de investimento Innovation Endeavors e Bezos Expeditions, realizaram um aporte de US$ 200 milhões.
Sem falar na compra da Whole Foods pela Amazon por US$ 13,7 bilhões, uma estratégia de Bezos para integrar varejo físico e digital e oferecer uma nova experiência para consumidores cada vez mais famintos por tecnologias até mesmo na hora de comprar uma simples saladinha. O interesse do fundador da Amazon no agro é seguido pela Google Ventures, que liderou um round de US$ 15 milhões na Farmer Business Network, empresa de soluções de Big Data para fazendas.
Com sua inegável vocação agrícola, o Brasil, insisto, reúne todos os insumos para garantir posição privilegiada na nova agricultura digital ao lado de países que já estão se destacando, como os Estados Unidos, Israel, Austrália e Nova Zelândia. E essa transformação passa, sem dúvida, pela união da indústria com as agtechs, anotou?
* Francisco Jardim é sócio da gestora de investimentos SP Ventures