Transformações são impulsionadas por vários motores. Descobertas científicas, apelo popular, impacto econômico costumam ser combustível de mudanças significativas nas diversas áreas. Quando a tudo isso se junta o peso de uma grande corporação, pode-se esperar que elas se espalhem ainda mais rápido. Quando se fala – e muito tem se falado – da transformação dos sistemas alimentares, há uma espécie de consenso sobre a necessidade, o apelo popular e até mesmo do impacto econômico. A ciência também tem contribuído, com o aprimoramento de tecnologias que viabilizam conceitos estabelecidos há algum tempo. Também não faltam grupos empresariais dispostos a contribuir para que melhores práticas sejam implantadas em várias etapas das cadeias produtivas, do campo à prateleira dos supermercados. Isoladas, muitas vezes essas intenções ficam limitadas à área de alcance específico da empresa. Uma transformação real exige, assim, empenho coletivo.
Dar amplitude e escala a projetos fica mais fácil quando uma potência entra em campo. Por isso, há muitos olhares voltados para a rede de varejo americana Walmart. É a maior do mundo, com receitas anuais superiores a US$ 610 bilhões. Seu incrível poder de compra, por si só, repercute bem longe de suas gôndolas. No momento em que seus controladores, os herdeiros do fundador Sam Walton, definem um direcionamento para essa área, o impacto é estrondoso. Há pouco mais de três anos, em 2020, eles definiram um objetivo: transformar o Walmart em uma “empresa regenerativa”, tendo como meta “proteger, gerir e restaurar 50 milhões de acres (pouco mais de 20 milhões de hectares) de terra até 2030”.
É uma escala equivalente a pouco menos de um terço da área cultivada no Brasil. Ou seja, muita coisa para se fazer em dez anos. Estamos com 30% desse prazo percorrido e há muito ainda por fazer. Os Waltons como pessoas físicas ou jurídicas têm se empenhado em executar o plano, mas com a consciência de que nem um gigante como o seu grupo – ou com sua capacidade financeira – é capaz de fazer isso sozinho. A mídia americana costuma falar das iniciativas isoladas com sua assinatura. Lukas Walton, bisneto de Sam, por exemplo, utiliza parte de um fundo de US$ 2 bilhões para investir em negócios como produção de frangos orgânicos, lacticínios originados de vacas alimentadas a pasto, alimentos à base de plantas. A mãe dele, Christy Walton – viúva do filho de Sam, John – dona de uma fortuna estimada em US$ 11 bilhões investe em restaurantes, projetos de aquicultura oceânica e até uma fazenda de 10 mil hectares, onde apresenta a visitantes o que chama de “experiência regenerativa” e mantém pesquisas sobre manejo de terras e pecuária.
Nos lados corporativo e institucional, a estruturação de projetos que envolvem fornecedores e parceiros é intensa. No ano passado, pelo menos duas grandes frentes foram abertas pelo Walmart, um junto à Pepsico, com aporte de US$ 120 milhões, e outro com a General Mills, que objetiva levar a adoção de agricultura regenerativa a mais de 150 mil hectares. Os braços filantrópicos do grupo atuam na mesma linha. A Fundação Walmart apoiou, com 1,5 milhão, a The Nature Conservancy (TNC) em um programa para criar o que chamam de “paisagem alimentar regenerativa”. Também participa de um programa para produção de arroz adaptado para o clima, que envolveria os fornecedores para a sua marca própria nos EUA. Estima-se que, dos US$ 665 milhões aplicados em projetos pela Walton Family Foundation em 2021, cerca de 10% tiveram alguma relação com os sistemas alimentares.
Investimentos e parcerias devem se multiplicar nos próximos anos, induzidos pela força de mercado da companhia. E não ficarão restritos aos Estados Unidos. Ao longo das últimas décadas, a demanda do Walmart por alimentos em grande quantidade e por preços mais acessíveis ajudou a formatar o atual modelo de produção de commodities em todo o mundo. A empresa reconhece isso e sabe que tem um papel em moldar um novo modelo. Sua enorme engrenagem, porém, precisa se encaixar em muitas outras, formando consórcios viabilizadores, com expertise técnica para fazer com que conhecimento e recursos se estendam até a outra ponta da cadeia. A roda apenas começou a girar.
Aline Locks é engenheira ambiental, cofundadora e atual CEO da Produzindo Certo.