1 de março de 2022

Censura e Ciência – Debate ambiental exige interessados em soluções

Recentemente, estudo conduzido por um grupo de pesquisadores reacendeu a preocupação com o uso inadequado da produção científica como nova forma de censura de natureza política. As conclusões do artigo The risk of fake controversies for Brazilian environmental policies, publicado na revista Biological Conservation, contrariam os princípios básicos da produção de conhecimento. Apesar de apresentado como tal, não se trata de uma denúncia. Fosse assim, os autores teriam reunido documentos e percorrido as vias legais para tanto. Precisariam se comprometer com o ônus das acusações, se expondo formalmente. O conteúdo não passa de um esforço para desmoralizar um terceiro.

Um olhar atento ao artigo será suficiente para perceber que a métrica proposta, para tentar credenciar o texto como material científico, é focada no histórico de estudos e publicações do pesquisador escolhido como objeto de análise. No entanto, a principal conclusão divulgada baseia-se nos efeitos da influência do pesquisador que, em tese, teria atrapalhado e impedido todo e qualquer avanço da agenda ambiental do país. A publicação é confusa. Introdução, metodologias, métricas e conclusões parecem não se conversar. Nem sequer tentaram provar cientificamente a influência que dizem existir.

A salada argumentativa foi tão arrogante e desastrosa que os articulistas talvez nem tenham percebido a irresponsabilidade de colocar em xeque diversos fatos comprovados, instituições e o próprio dinamismo do agronegócio brasileiro. Alvejada por um show midiático que chegou à grande imprensa, a Embrapa emitiu uma nota explicativa com diversos pontos. Vale destacar o item nove da nota, em que a instituição resume o que se espera da produção científica. “Ao invés de refutar os resultados obtidos pela Embrapa e debater com racionalidade ideias e métodos, um grupo teceu críticas à agropecuária brasileira, abrindo espaço para a politização do tema, e partiu para ataques institucionais e pessoais ao setor agropecuário, aos pesquisadores e equipes da Embrapa. Agiram como se tivessem dificuldades de lidar com o contraditório. Elaboraram um manifesto em uma revista científica estrangeira, levando ainda a discussão para a mídia, criticando a ação da Embrapa, a agropecuária brasileira, as leis e demais dispositivos legais aprovados pelo Congresso Nacional em diferentes legislaturas.” 

O conteúdo da nota é parecido com a opinião de um pesquisador que revisa artigos científicos para revistas especializadas. Ele enumerou diversos pontos negativos que tornam o material impróprio para ser publicado em revistas especializadas.  Destacou também a ironia na qual os autores falam das políticas afetadas pelas manifestações do pesquisador, acusando-o de não usar um critério científico para apresentar seus dados. No entanto, eles não apresentaram nenhuma evidência cientifica para defender as conclusões de que a atuação do pesquisador influenciou negativamente as políticas estabelecidas.

O objetivo deste texto, portanto, não é defender o pesquisador. Não tenho competência e nem procuração para tanto. Estou defendendo o direito de questionar. O objetivo é manter o debate e a produção do conhecimento dentro dos trilhos. É não aceitar que a leviandade e a ideologia ditem, em nome da ciência, soluções e decisões não fundamentadas e mal elaboradas. É inaceitável que pesquisadores fujam da obrigação de responder tecnicamente, direcionando a discussão para as pessoas, a adjetivação e a desqualificação. Nesse caso específico, é não aceitar que qualquer questionamento seja previamente desqualificado com base em uma suposta influência mítica de um homem.

A estratégia dos autores é atacar todos os seus críticos e não apenas o pesquisador em questão. Apesar de desonesta, a estratégia é astuta. Ao selecionar um nome, desqualificando-o e associando a ele uma influência quase mítica, todo e qualquer questionamento ou discordância, mesmo que respeitosa, será facilmente atribuído aos efeitos da influência do superpoderoso pesquisador em questão. Toda religião precisa de um demônio. Eles escolheram um renomado pesquisador da Embrapa para ser responsabilizado por corromper todos os que não seguem suas conclusões. É a nova ciência, aquela que não pode ser questionada e que não precisa comprovar nada. Basta acreditar no currículo do seu clero.

Outra ironia é que em nenhum momento apontam nenhum erro ou contradizem, cientificamente, qualquer informação ou estudo gerado pelo pesquisador em questão. Talvez seja por essa razão que o ataque tenha causado tanta indignação em grande parte do setor agropecuário. Diversas entidades, lideranças, empresas e ex-ministros se manifestaram em carta aberta a favor do pesquisador e de sua unidade, igualmente atacada pela publicação. Com frequência, pesquisadores, consultores, representantes de empresas, jornalistas e outros profissionais têm sido desqualificados e marginalizados do debate, ameaçados pela máquina de destruição de reputações que opera nos temas ambientais.

Sempre usam o método que tem por objetivo aplicar blefes em nome da ciência. Aproveitam a falta de tempo, ou mesmo a falta de apetite do público atual por leituras mais densas, para impor suas teses sem a necessidade de comprová-las. Confiam que poucos irão ler o conteúdo completo. Divulgam afirmações e conclusões indicando estudos publicados em revistas científicas. No entanto, tais estudos nada comprovam sobre o que defendem. Pedir por esclarecimentos quase sempre gera respostas agressivas direcionadas àqueles que ousaram ler o conteúdo todo. Desqualificam qualquer questionamento com base no argumento de que “só aceitaremos responder através de publicações nas mesmas revistas”.

É verdade que a produção científica deve ser debatida pelas vias formais, por meio de revistas científicas e revisões por equipes preparadas para analisar cada um dos temas. Mas, nesses casos, são os próprios autores que resolvem levar o conteúdo à imprensa, mesas de discussão ou órgãos de governo, com o objetivo de transformar suas conclusões em ações ou políticas. Se decidiram por esse caminho, precisam estar preparados para esclarecer o que defenderam diante das bancas revisoras. Não são os profissionais que estão invadindo o espaço da produção científica.  São os autores da pesquisa que estão trazendo suas conclusões para a esfera decisória e política. O debate e o esclarecimento são necessários, especialmente numa democracia. É leviano que o indivíduo se proponha a participar de um debate público, escondendo-se atrás do próprio currículo e publicações especializadas.

Revistas científicas não são clubes de exceção e nem credenciam seus autores a falar sobre qualquer tema sem que sejam questionados. É justamente o contrário. Publicar em revistas é prova de que o profissional está preparado para falar sobre aquele determinado assunto. O objetivo é encarar e não fugir do debate. A quantidade de casos envolvendo esse tipo de atitude chegou a tal ponto que a Athenagro sugeriu um conjunto de dez regras para que ela mesma e qualquer outra instituição continuasse em uma mesa de discussão sobre sustentabilidade na pecuária. Apesar da boa vontade de todos os demais participantes, o grupo composto pelas ONGs não aceitou assinar o compromisso.

Os pontos sugeridos como regras estão listados a seguir:

  1. Todos os temas técnicos serão debatidos no âmbito dos fatos e dos dados. Resultados de estudos, quando apresentados, deverão ser defendidos com base no método científico. Não serão toleradas insinuações relacionadas às motivações por trás de pesquisadores, empresas ou instituições.
  2. Qualquer estudo que contrarie dados oficiais preexistentes será avaliado com atenção redobrada e questionado com a ajuda de especialistas de áreas similares, ou com a participação das entidades oficiais cujos dados estão sendo colocados em dúvida. Assim, tais entidades terão a oportunidade de explicar suas metodologias.
  3. Nenhum estudo será aceito como verdade absoluta e inquestionável, mesmo que tenha sido publicado em revistas científicas. Se passou pela rigorosa banca de avaliação, passará tranquilamente pelos questionamentos de profissionais com o perfil do GTPS. Negar o debate e exigir que os resultados sejam aceitos afronta a própria definição de ciência.
  4. Todo e qualquer questionamento em relação a um estudo deve ser embasado, justificando as dúvidas a partir de números igualmente obtidos por pesquisas ou por estatísticas oficiais. Não serão aceitas desqualificações do estudo, dos autores ou das estatísticas com base em colocações subjetivas e especulativas.
  5. Todos os participantes do grupo zelarão pela manutenção da ética, do respeito e imagem das demais organizações participantes.  Difundir ou repassar informações inverídicas sobre terceiros, sejam membros ou não, consistirá em falta grave, punida com exclusão.
  6. Todos os membros do grupo são responsáveis por se explicar ou, ao menos, se posicionar, publicamente quando inverdades ou especulações forem divulgadas por entidades ou profissionais com os quais se relacionam publicamente.
  7. Nenhum tema técnico será tratado a partir da visão de um único especialista. O objetivo do grupo é o debate, o que pressupõe que o conhecimento seja discutido e interpretado por diversos ponto de vistas e possibilidades em torno do assunto em questão.
  8. Todas as ações e iniciativas fomentadas devem abranger as três dimensões da sustentabilidade. Qualquer proposta de ações que deixe dúvidas quanto à sustentação econômica, social ou ambiental, poderá ser questionada pelos membros que tenham condições técnicas para tanto.
  9. Se as respostas para os questionamentos de determinadas recomendações não forem todas embasadas do ponto de vista científico, é porque as recomendações não estão concluídas, exigindo que estudos mais aprofundados sejam conduzidos.
  10. Todos os membros se comprometem com a implementação do Código Florestal em sua íntegra, preservando a vontade da sociedade brasileira por intermédio da assembleia legislativa. Em nome da sustentabilidade, os membros do GTPS se comprometem que, diante de qualquer discordância em relação ao Código Florestal, a discussão deverá ser estimulada para acontecer no poder legislativo e não no judiciário.

Tais pontos foram discutidos por semanas no conselho do GTPS (Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável), formado por empresas representantes de cada um dos setores que o compõem. Ainda assim, os representantes das ONGs nunca apresentaram um argumento capaz de justificar a não aceitação dos itens enumerados como regra. A resposta do porquê não aceitaram o compromisso proposto está aí, materializada em um material insosso e especulativo, apresentado como ciência. Veja quais são os grupos que estão chacoalhando por aí o resultado desse circo midiático, apresentado como denúncia embasada em estudos.

Nem todos que participam do debate ambiental estão interessados em soluções. Preferem desmoralizar indivíduos ou ameaçar organizações que não adotarem suas cartilhas. Eles não estão lá para discutir suas propostas e/ou aprender com as dos demais. Estão lá apenas para validar as decisões que tentam impor. Da próxima vez que ler, ou escutar, que o agro atrapalha o avanço do debate ambiental, certifique-se do que está por trás daquela informação. Confira, aprofunde-se, questione. É bem provável que esteja diante de um blefe ou uma desinformação para lá de criativa. Não há como discutir sustentabilidade deixando a ética do lado de fora da sala.

Maurício Palma Nogueira é engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária.

 

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