8 de dezembro de 2021

Ocepar: Gianetti prevê mundo mais endividado e menos globalizado

Declarando-se um entusiasta do cooperativismo, o economista Eduardo Gianetti afirmou ser admirador do modo cooperativo de realizar negócios e na alternativa que representa tanto ao modelo estatal puro como ao modelo do setor privado, voltado quase que exclusivamente para o lucro e para o resultado financeiro de curto prazo. “Eu acredito demais na força dessa alternativa, que é o cooperativismo, porque, quando as pessoas se sentem donas do negócio, parte do processo decisório e se identificam com a organização à qual pertencem, isso mobiliza energia e conhecimentos muito importantes para a eficiência, para a produtividade e para as boas relações tanto interna quanto com a comunidade. Sou um entusiasta do mundo cooperativo, por ser um modelo vitorioso”.

Ele participou na manhã desta sexta-feira (03/12) do Encontro Estadual de Cooperativistas Paranaenses, promovido pelo Sistema Ocepar, quando fez uma análise da situação econômica em decorrência do surgimento da Covid-19. O tema da palestra foi “O mundo e o Brasil pós-pandemia”.

Professor, escritor e palestrante, o economista Gianetti discorreu sobre tópicos que se aplicam ao mundo e ao Brasil no pós-pandemia. Entre as certezas, elencou que o mundo será mais endividado, menos globalizado e mais digitalizado. Disse, por exemplo, que o setor público teve de lançar mão de ações inéditas para socorrer pessoas e empresas em consequência da pandemia, que se iniciou em março de 2020. Os governos do mundo todo, incluindo o Brasil, tiveram de contrair dívidas para iniciar uma travessia menos sofrida para a população diante de uma parada súbita da renda e do emprego e para empresas, que perderam a capacidade de geração de caixa.

Segundo o economista houve um aumento muito alto da dívida em âmbito global, afetando a todos os setores. “O estoque total de dívidas, incluídos o setor público e corporativo e as famílias, é de 353% do PIB mundial, ou seja, se pegarmos o valor da produção anual do mundo durante três anos e meio será o equivalente ao estoque da dívida atual. É algo sem precedentes e que inspira muito cuidado”, alertou, ao lembrar que, diante disso, a sensibilidade a juros se torna muito maior e mais perigosa. “Um aumento da taxa de juros no mundo – e estou olhando para os países de maior renda, em especial, os Estados Unidos – vai incidir sobre um volume de dívida muito maior. Portanto, um pequeno aumento de juros, daqui para a frente com a pressão inflacionária, que está vindo por aí, e que parece ser mais permanente do que se imagina há até pouco tempo, vai ter um reflexo enorme na conta de juros, porque o serviço é de uma dívida que cresceu muito em volume.”

Alertas – Gianetti enfatizou que o Brasil é um caso especial, pois já tem tradição de juros bem mais altos que os praticados no resto do mundo. “E estamos num processo de aperto da política monetária, que se tornou imperativo, pois a inflação deve fechar o ano em torno de 10%, um pouco mais ou menos. Isso obrigou o Banco Central, ainda mais no momento que a política fiscal é expansionista, a dar início ao processo de aumento da taxa de juros primárias, de curto prazo, e que vai ter sequência em 2022.”

E lembrou que, como o estoque a dívida brasileira está na casa de 80% do PIB, um aumento de 1% da Selic representa gasto público adicional de R$ 34 bilhões em um ano. “Estamos falando do volume de um Bolsa Família por ano só por conta de 1% no aumento de juros.” E alertou que os governantes terão de tomar muito cuidado para evitar o agravamento do quadro, pois a dinâmica de aumento de juros, que já começou no Brasil e possivelmente terá início no resto do mundo ao longo de 2022, leva a uma trajetória muito acentuada de aumento do gasto público. “Não é a beira do precipício. E não estou dizendo que, no curto prazo, estamos diante de uma crise eminente. Nada disso. Mas é uma situação que inspira muito cuidado.”

O Brasil chama mais a atenção, na avaliação de Gianetti, porque, além do  país ter juros mais altos do que o padrão mundial e ter começado antes dos demais países o processo de aperto da política monetária, “estamos vendo uma postura muito expansionista do governo em um ano eleitoral. Essa mudança recente, tanto com a PEC dos Precatórios como a revisão do indexador do Teto de Gasto Público, liberando mais recursos para gastos, de modo a cumprir, ao menos na aparência, o teto, exige do Banco Central um empenho ainda maior para conter uma inflação que já se tornou bastante perigosa”.

Globalização – Gianetti lembrou que o processo de relação entre os países, com o aumento do comércio internacional e fluxo de capitais tem períodos de oscilação. A primeira grande onda, iniciada na segunda metade do século 19 foi interrompida em 2014 com a Primeira Guerra Mundial. A conexão comercial, financeira e econômica foi retomada a partir da 1980, com a hiperglobalização, que começa a se desacelerar com a crise financeira de 2008 e 2009, segundo o economista. “E, agora, a pandemia vai ser mais um elemento de desaceleração do processo de globalização, porque revelou uma vulnerabilidade muito grande dessa interdependência das cadeias de produção no mundo, o que demonstra que o processo produtivo mundial é muito vulnerável. Ou seja, um problema numa grande região no mundo fornecedora de determinado insumo ou produto interrompe as cadeias produtivas em todo o planeta.”

Estudo de uma grande consultoria revelou que para 180 produtos críticos das cadeias de suprimentos do mundo, incluindo itens relevantes, como cobalto e semicondutores, existe apenas um ou dois grandes fornecedores. “Se olharmos para a área médica, que foi o olho do furacão no período recente, 80% dos ingredientes farmacêuticos ativos, inclusive necessários para a produção de vacinas, vêm apenas da China e da Índia. Isso está levando a um processo de revisão, até por conta de legítima segurança, dessa propensão de uma especialização muito grande de produção concentrada em poucos países ou muito regionalizada”, disse.

China X EUA – Outro elemento de desaceleração, na análise de Gianetti, é a rivalidade entre a China e os Estados Unidos, que está sendo contestado, a cada momento, pelo poder emergente que é o país asiático. “É um processo que guarda certa analogia com o período ocorrido antes da Primeira Guerra. Na época, o poder incumbente era a Inglaterra e o emergente, a Alemanha. A situação acabou descambando para uma guerra terrível de escala planetária. Esperemos que, desta vez, não enverede por este caminho, que é o pior de todos.  Mas a tensão geopolítica no mundo, em que a competição entre duas potências se torna muito acirrada no plano econômico e tecnológico, é mais um fator de refreamento no processo de globalização. A tendência é que haja uma consolidação de áreas de fluência, um mundo bipolar e não se tenha aquele período, que foi o momento da praticamente isolada hegemonia norte-americana, em que o mundo estava sob o mesmo parâmetro de regras do jogo. Isso sinaliza que vamos para um mundo menos globalizado. Isso não começou com a pandemia, mas se confirma com a percepção de realidades que a pandemia permitiu que aflorassem”, pontuou.

“Vamos para um mundo mais digitalizado”, proferiu o palestrante, ao lembrar que o processo, que caminhava mais em câmara lenta, se acelerou com a pandemia. “Todo nós aprendemos. Tanto indivíduos, como corporações e organizações tiveram que lidar com a realidade das novas tecnologias e oportunidades que ela oferece para a realização das nossas atividades. Toda a atividade econômica mudou de relação com a nova tecnologia, que estou chamando de mundo digital.” Para ele, “o trabalho remoto se tornou imperativo durante a pandemia, com a normalização, deve permanecer num modelo híbrido, pois muita gente que não tem interface direta com o público vai poder realizar parte relevante de suas atividades em situação remota, muito possivelmente de casa.”

Gianetti lembrou ainda que o varejo também está inserido neste novo momento, pois as pessoas aprenderam e se acostumaram a fazer as compras de maneira virtual. No setor de finanças, a utilização dos recursos tecnológicos vai se acentuar ainda mais, sem a necessidade de ir a agências. “Podemos fazer praticamente tudo o que desejamos, do ponto de vista financeiro, com muito mais conforto e segurança de forma remota, digital.” Em alguns setores, o presencial terá de permanecer, como a educação, em que o presencial é “insubstituível”, tanto no aspecto didático, cognitivo como no sócioemocional de formação de crianças e jovens. “Não resta dúvida que as novas tecnologias vão se tornar presentes, pois serão instrumento adicional relevantes em todo o processo de formação.”

A digitalização implica em mudanças nas organizações não apenas nas relações externas, mas também com o modus operandi interno delas, como fazem o processo de produção, gestão e negócios no seu dia a dia em sua função específica. “Por exemplo, a comunicação empresarial é um setor extremamente afetado pela digitalização, pois é preciso estar atentos à comunicação rápida das mídias e redes sociais. Então, além de ser sustentável, o que é imprescindível, tem de parecer sustentável.  E sabemos que uma falha grave de comunicação pode causar um dano reputacional imenso para uma empresa, se ela não agir prontamente. Então a dinâmica dessa realidade foi muito afetada e em caráter permanente por essa nova realidade”, enfatizou Gianetti.

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