‘Liberation Day’ e a transição regenerativa para o Agro Brasil

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O Brasil reúne condições únicas para transformar os desafios do cenário geopolítico e comercial atual em uma vantagem estratégica de longo prazo. A recente adoção de tarifas recíprocas pelos Estados Unidos, apelidadas de “Liberation Day”, embora à primeira vista represente uma ameaça aos países exportadores e importadores de insumos, pode, no caso brasileiro, acelerar a transição para uma agricultura regenerativa e soberana. Porém, um ciclo de imprevisibilidade nos custos de fertilizantes sintéticos e defensivos químicos, que se soma a outros dos últimos anos (ver figura), amplia a urgência de uma reestruturação das cadeias produtivas baseadas em insumos nacionais, biológicos e minerais, e fortalece o argumento pela valorização de um modelo de produção tropical regenerativo.

A dependência brasileira de insumos importados é estrutural. Segundo Gabriel da Silva Medina, professor adjunto das Universidades de Brasília e Federal de Goiás (2022), mais de 70% dos fertilizantes utilizados na cadeia da soja vêm do exterior, e os princípios ativos dos pesticidas são majoritariamente importados da China e da União Europeia. Eventos recentes, como a guerra comercial entre EUA e China, a pandemia de COVID-19 e o conflito Rússia-Ucrânia, revelaram a vulnerabilidade da segurança produtiva do Brasil. Entre 2020 e 2022, o cloreto de potássio passou de US$ 250 para mais de US$ 520 por tonelada; a ureia chegou a US$ 700/t no pico, e o glifosato ultrapassou os US$ 9/kg, dobrando seu preço em dois anos. Esses dados demonstram a fragilidade de uma estratégia produtiva excessivamente dependente do mercado internacional.

Entretanto, diferentemente de outros países emergentes, o Brasil já construiu os pilares regulatórios e tecnológicos necessários para uma substituição sustentável e competitiva desses insumos. A Lei dos Bioinsumos (Lei nº 15.070/2024), permite e incentiva a produção on farm de insumos biológicos. A regulamentação dos remineralizadores (Lei nº 12.890/2013) legitima o uso de fontes minerais nacionais. Além disso, o Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) estabelece parâmetros claros para conservação e uso do solo.

Esses fundamentos criam uma oportunidade singular: reconverter áreas já abertas e muitas vezes degradadas em sistemas produtivos de alta eficiência ecológica e econômica. De acordo com o relatório da BCG (2024), a transição regenerativa em 40 milhões de hectares no Cerrado brasileiro pode gerar até R$ 32 bilhões por ano em valor adicional, com a possibilidade de sequestrar mais de 1,2 bilhão de toneladas de CO₂ em três décadas.

Esse modelo não apenas responde às crises recorrentes de insumos, como também atua de forma preventiva contra a expansão desordenada da fronteira agrícola. Em ciclos anteriores de aumento da demanda internacional, como no auge da guerra comercial EUA-China, verificou-se um salto no desmatamento especulativo, sobretudo no MATOPIBA. A agricultura regenerativa rompe essa lógica ao priorizar a intensificação com qualidade ecológica em áreas já antropizadas, promovendo a regeneração ativa de solos e a integração funcional com as paisagens naturais. Sistemas como a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), agroflorestas, adubação verde e plantio direto com cobertura permanente elevam a resiliência climática, a retenção hídrica e a vida no solo, reduzindo drasticamente a necessidade de novos desmatamentos.

Além disso, a substituição de importações por cadeias territoriais regenerativas permite que os recursos antes destinados a compras externas circulem regionalmente. A estruturação de biofábricas locais, moagem de rochas silicáticas, polos de compostagem e redes de sementes adaptadas estimula a economia rural, gera empregos qualificados e fortalece a cooperação entre grandes, médios e pequenos produtores. Essa transição, quando bem conduzida, une soberania tecnológica, desempenho agronômico e valor ambiental, gerando impactos econômicos e sociais sem precedentes para o Brasil rural e urbano.

Portanto, o “Liberation Day” pode ser interpretado não apenas como uma medida protecionista, mas como um sinal do esgotamento de um modelo global baseado na dependência de insumos centralizados e comércio linear de commodities. Ao adotar políticas de incentivo à regeneração, ampliar os instrumentos de crédito e pagamento por serviços ambientais, fomentar mercados para produtos de base regenerativa e reforçar sua diplomacia comercial climática, o Brasil pode consolidar uma nova identidade agroexportadora.

A agricultura tropical regenerativa é, agora mais do que nunca, a estratégia que une segurança alimentar, segurança climática e segurança econômica. O Brasil tem a base, a demanda e a oportunidade. O que está em jogo é como escolher crescer: reproduzindo vulnerabilidades ou regenerando sua vocação mais potente.

Eduardo Martins, do Grupo Associado de Agricultura Sustentável (GAAS).
Reginaldo Minaré, da Associação Brasileira de Bioinsumos (ABBINS).
Frederico Bernardes, da Associação Brasileira dos Produtores de Remineralizadores de Solo e Fertilizantes Naturais (ABREFEN).
Paulo Romano, do Instituto Fórum do Futuro (IFF). 

ABBINS
A Associação Brasileira de Bioinsumos (ABBINS) é uma entidade sem fins lucrativos dedicada à promoção e ao desenvolvimento do uso de bioinsumos no Brasil. A ABBINS trabalha para apoiar a adoção de práticas agrícolas sustentáveis e assegurar um ambiente regulatório favorável à produção e ao uso de bioinsumos. A ABBINS tem como associadas empresas do setor de bioinsumos, como SoluBio, Agrobiológica Sustentabilidade, Bioworld, TOPBiO – Sistemas Biológicos, Hubio BioPar e AMTec Bioagrícola, e, em sua proposta legislativa para o setor de bioinsumos, conta com o apoio de mais de 50 instituições representativas da agropecuária, como o GAAS – Grupo Associado de Agricultura Sustentável. Para mais informações, entre em contato com a nossa equipe de imprensa ou visite o nosso site.

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