O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) decidiu, em julgamento realizado no fim de setembro, manter até 31 de dezembro deste ano a validade da chamada Moratória da Soja, pacto firmado em 2006 por indústrias processadoras e tradings do setor para evitar a compra de grãos cultivados em áreas desmatadas da Amazônia. A partir de 1º de janeiro de 2026, no entanto, passa a vigorar a medida preventiva definida pela Superintendência-Geral do órgão, que determina o encerramento do acordo.
A moratória da soja nasceu como um compromisso voluntário, estabelecido após pressões internacionais sobre a cadeia produtiva, e ao longo de quase duas décadas se tornou referência global em iniciativas de sustentabilidade. Pelo pacto, as empresas se comprometiam a não comercializar soja oriunda de áreas desmatadas após 2008 na região amazônica, além de submeter suas operações a auditorias e divulgar relatórios periódicos de acompanhamento.
O CADE, contudo, entendeu que o formato atual do acordo pode levantar riscos concorrenciais, uma vez que envolve troca de informações estratégicas entre grandes empresas do setor. O temor é que, sob o pretexto de monitoramento ambiental, companhias acabem compartilhando dados sensíveis, como volume de compras e origem de fornecedores, o que poderia gerar distorções no mercado.
Durante a votação, conselheiros reconheceram a relevância dos objetivos ambientais, mas ressaltaram que acordos privados não podem suprimir a concorrência. Por maioria, o Tribunal do CADE decidiu manter a eficácia da moratória apenas até o fim de 2025, alinhando-se à liminar já concedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu os efeitos imediatos da medida preventiva. A partir do próximo ano, porém, a determinação do CADE será obrigatória e o pacto não poderá mais ser aplicado.
Entidades do setor, como a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), avaliaram que a decisão garante tempo para diálogo com autoridades e para a busca de alternativas regulatórias que preservem avanços socioambientais sem ferir a legislação concorrencial. Ambientalistas, por outro lado, manifestaram preocupação com a possível perda de um dos mecanismos mais reconhecidos internacionalmente no combate ao desmatamento.
O caso reacende o debate sobre como conciliar políticas ambientais e regras de mercado. Para 2026, o desafio será encontrar um modelo que mantenha a credibilidade da soja brasileira diante de compradores globais, ao mesmo tempo em que respeite os limites legais impostos pela autoridade antitruste.
Reações políticas – A decisão do CADE gerou repercussão imediata em Brasília. Parlamentares ligados à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) elogiaram o posicionamento do órgão, argumentando que o acordo de 2006 extrapolava a competência das empresas privadas e acabava impondo restrições à produção sem respaldo em lei. Para esse grupo, a medida abre espaço para que eventuais regras sobre desmatamento e rastreabilidade sejam debatidas em instâncias formais, como o Congresso Nacional e os ministérios ligados ao meio ambiente e à agricultura.
Já parlamentares de oposição e representantes da Comissão de Meio Ambiente do Senado manifestaram preocupação, afirmando que o fim da moratória pode comprometer a imagem da soja brasileira no mercado internacional. O receio é que importadores da Europa e dos Estados Unidos endureçam exigências de rastreabilidade, o que poderia criar barreiras comerciais não-tarifárias contra o país.
Impactos econômicos – Do ponto de vista econômico, o setor de grãos teme efeitos divergentes. Para produtores e cooperativas que não atuam em áreas sensíveis da Amazônia, o fim da moratória pode reduzir custos com auditorias e certificações, ampliando margens de competitividade.
No entanto, tradings multinacionais e exportadores ressaltam que o Brasil pode perder espaço em mercados premium se não houver garantias ambientais claras. A União Europeia, por exemplo, implementa em 2025 o Regulamento de Produtos Livres de Desmatamento (EUDR), que exige comprovação de origem sustentável. Nesse cenário, a ausência da moratória pode gerar desconfiança e até mesmo restrições às exportações brasileiras. O impacto também pode se refletir na formação de preços: compradores internacionais podem exigir descontos para compensar o risco ambiental, reduzindo a renda de produtores e processadores.
Alternativas legais e regulatórias – Especialistas apontam que o setor terá de buscar alternativas para não perder os avanços obtidos ao longo dos últimos anos. Entre os caminhos possíveis estão:
- Regulação estatal: criação de normas formais, por meio de lei ou decreto, que estabeleçam critérios de rastreabilidade ambiental para a soja, substituindo o acordo privado.
- Soluções de autorregulação setorial: associações como Abiove e Aprosoja podem desenhar novos compromissos voluntários, com auditoria independente, mas em formato que não configure troca de informações concorrencialmente sensíveis.
- Integração a sistemas internacionais: adesão a plataformas globais de certificação, como a Round Table on Responsible Soy (RTRS), que já possuem reconhecimento no comércio exterior.
- Uso de tecnologia: ampliação do monitoramento via imagens de satélite, blockchain e sistemas de rastreabilidade, permitindo controle individualizado por produtor, sem necessidade de pactos coletivos entre empresas.
Esse panorama mostra que a decisão do CADE não encerra apenas um acordo privado, mas inaugura um período de incertezas regulatórias e negociações políticas, no qual o setor precisará se reposicionar para manter a confiança dos mercados e garantir a sustentabilidade de sua cadeia produtiva.