O Diretor de Agronegócio da Serasa Experian, Marcelo Pimenta, dá uma aula sobre como funciona a análise de financiamentos no agronegócio, a proteção dos negociadores e a importância do crédito produtivo e seguro
Que dois anos agitados, não? 2023 e 2024 foram marcados por uma safra recorde, um gigante da distribuição de insumos agrícolas quebrado, pedindo tempo para pagar as dívidas (Recuperação Judicial ou RJ). Uma seca que tirou vinte milhões de toneladas da safa de verão. Um aumento no pedido de RJ´s por produtores e revendas. Muito medo e choradeira pelo medo de uma possível grave crise no setor, com problemas incontornáveis para o campo conseguir crédito. Uma demora sem fim para cair chuva necessária para o plantio 2023 – 2024. Por outro lado, a cadeia produtiva do Agronegócio do Brasil permaneceu trabalhando normalmente. Tanto que a expectativa é de uma safra recorde, ou perto disto, em 2024 – 2025. Afinal, o Agro quebrou ou não? O dinheiro para plantio, colheita, comercialização e armazenagem secou? Onde está?
Não existem pistas para desvendar esse chamado ‘mistério’. Existem dados. Aos montes. E eles integram um dos estudos mais respeitados pelo mercado agropecuário e financeiro do país. O cenário de recuperação judicial levantado e divulgado regularmente pela Serasa Experian. Um ator ímpar do crédito no país, conhecido por dez de cada dez brasileiros, mas que entrou na cena do campo há apenas quatro anos. E hoje é comandado por um físico de fala calma e longos cabelos, já pintados de grisalho. Ele foi graduado na Universidade de São Paulo e se especializou em Administração, Empreendedorismo, Gestão Empresarial, Agronegócios, Agroecologia e Agricultura Sustentável. Tendo passado por Unibanco, Tecban, Telefônica Brasil e acabou fundando e liderando o Experian DataLabs na região da América Latina.
Em três anos de atuação no posto, Marcelo roda o Brasil, participa de eventos, faz palestras, atende em estandes da Serasa. A Revista AgroRevenda encontrou Marcelo Pimenta apresentando-se no Congresso Nacional do Crédito no Agronegócio, o Conacredi 2024, na capital paulista. Ele destacou ao público os números mais recentes da inadimplência no país até aquele momento (outubro de 2024), ressaltou porque a transparência e o acompanhamento da vida financeira de quem atua no campo garantem segurança aos negócios para todas as partes. Como sempre, saiu rápido, atrás de mais dados para fomentar o mercado. O jeito foi arquitetar um ‘bate bola virtual’ com ele para você conferir o que o executivo expôs durante sua apresentação. É muito bom! Confira!
Afinal, o que é a Serasa Experian?
Sempre falo que nosso nome tem uma relação profunda com todos os brasileiros. São sessenta anos de atuação no mercado brasileiro, mas apenas há quatro anos no Agronegócio. Antes disso, não havia como conseguir dados consistentes e confiáveis para conseguirmos trabalhar e reproduzir dentro do segmento a mesma capacidade de construir um piloto de informações onde empresas, distribuidores, fintechs, bancos, revendas e o próprio produtor pudessem fazer consultas confiáveis a respeito dos riscos de crédito, da terra, de ESG (Gestão ambiental, social e corporativa) e das commodities de maneira geral.
E como tem sido esse trabalho novo?
Estamos construindo regularmente diversos estudos. Sobre a expansão da produção de soja, a conversão de pastagens degradadas que possuem aptidão para atividades agrícolas, as diferentes finalidades das fazendas para o setor. E a capacidade de financiamento e pagamento dos créditos que rodam no segmento. Como as recuperações judiciais, do ponto de vista do produtor, na figura de Pessoa Física (PF) e Pessoa Jurídica (PJ) , e as empresas.
E os levantamentos sobre inadimplência, o que têm revelado?
Levantamos os dados a cada trimestre do ano. Os mais quentes são os que fechamos até setembro do ano passado. Sempre ‘quebrando’ nas três perspectivas. Viemos de anos muito bons, como 2019, 2020 e 2021, com os preços em alta, soja cotada a até R$ 190, porém veio o choque em 2023, o salto no preço dos insumos e a crise climática em 2024. Uma ‘tempestade perfeita’. Isso certamente refletiu-se no aumento de RJ´s. Quando olhamos trimestre a trimestre com mais detalhe, temos muitos achados. Caso dos produtores PF. Em 2021 e 2022, a legislação tinha acabado de ser promulgada, permitindo a RJ. Logo, em 2023, aumentaram os casos e houve um salto em 2024. De 106 a 214, Agora, o número cai para 106.
É melhora?
Não dá para falar assim. Na verdade, houve um represamento no início do ano, que foi liberado no segundo trimestre. Para depois voltar a patamares que consideramos normais para a situação que estamos vivendo. Nos produtores PJ, tivemos a mesma situação e a queda no 3º trimestre. E na cadeia do agro, as empresas, revendas e distribuidores, já vêm com dificuldade desde o primeiro solavanco no preço das commodities, gerando pedidos de recuperação trimestre a trimestre. Acentuadamente no início do ano passado. E a queda depois, ao longo do período de 2023 e 2024.
E se analisarmos por região?
Não há muitos segredos. Quando olhamos as regiões, vemos que as RJ ‘s de PF´s têm relação forte com o tipo de cultura. Mato Grosso com soja, Goiás relacionado a pastagens e gado, além de Minas Gerais com o café. E no caso de produtores PJ e na cadeia agro como um todo, vemos São Paulo em dificuldades por causa dos problemas da cana-de-açúcar em 2022.
Por falar em produtor, qual é o que vem sofrendo mais?
O maior volume envolvendo RJ é o de arrendatários ou participantes de um grupo econômico, pois eles tiveram redução drástica de lucratividade. E olhe que já experimentaram, historicamente, lucros de até 45%. Muitos fizeram dívidas neste período e, quando veio o grande choque de queda, não deu para pagar as contas. E quem arrenda tem, além dos custos de produção, os gastos do arrendamento das terras. Por isso ele foi o que mais sofreu. Depois, vieram os grandes proprietários e os pequenos e médios donos de áreas. Se analisarmos o tipo de cultivo, temos basicamente soja, pastagem e café. O comportamento muda um pouco quando é produtor PJ. Neste caso, inicialmente soja e pastagens, mas, depois, fundamentalmente, cereais.
Mas, afinal, onde ‘pega’ a questão de emprestar ou não, independentemente dos ciclos?
Temos tentado atribuir o crescimento das RJ´s com problemas de clima, custos e receitas. Mas não é bem assim. Nossos gráficos mostram dados de 36 meses antes de um pedido de recuperação ser feito por um agente do setor e qual era a possibilidade de inadimplência dele. E temos as decisões de riscos. Os levantamentos são claros em mostrar que eles já estavam com problemas, muito endividados, comprometidos em boa parte das receitas com pagamentos de juros. Uma boa análise de crédito evita que você tenha um problema de pagamento.
E como fica o histórico de relacionamento entre as duas partes?
É lógico que, muitas vezes, existe uma excelente parceria do produtor com a revenda, o distribuidor e a instituição financeira. E você acaba dando o crédito na confiança. Porém, do ponto de vista técnico, era um crédito arriscado. Logo, não deveria ser uma surpresa o pedido de recuperação. E note que seis meses antes do pedido, há um movimento de degradação. Isso significa que o produtor está tentando tomar muitos empréstimos, sabe que não vai conseguir pagar, e tenta o maior número possível de crédito, para proteger-se nos dois anos seguintes. E aí, quando o pedido chega, o score perde a importância imediatamente. Essa é a grande mensagem. Existem ferramentas para diminuir os riscos, evitar possíveis recuperações, analisar o portfólio das empresas, separar aqueles mais arriscados, trabalhar quem tem mais garantias, antecipar-se no alongamento das dívidas e evitar a RJ.
Afinal, como anda a inadimplência no Agronegócio?
É preciso entender bem esse conceito. Quando acompanhamos notícias do dia a dia, ouvimos falar dos consumidores comuns, e a taxa é alta, de aproximadamente 70 milhões de pessoas em algum tipo de dívida, nome com negativação. Como é esse critério? Um dia de atraso e você torna-se um devedor. No Agro não é bem assim. E isso faz a gente separar muito bem o que é uma dívida no segmento. A gente tira coisas como conta do telefone atrasada, dívida com a prefeitura, pendências menores. Consideramos como dívida e débito faixas de um a 180 dias, dependendo de como o credor queira analisar. Inadimplência no agro é com a revenda, o distribuidor, o financiamento agrário e com diversas faixas de prazo. Hoje, a inadimplência nesta área é de 7,5%, mas temos picos. Assim como as dívidas de longo prazo têm aumentado. E são vários fatores. Está cada vez mais difícil renovar os créditos. Ter as mesmas garantias para conseguir o mesmo dinheiro. Arrendatários e participantes de grupos econômicos têm um poder maior, pois acessam diversas linhas. Já os pequenos não.
E ao vislumbrarmos essa questão por cada região brasileira?
Olhando por região, a mais arriscada é a Norte. Por causa de novos ‘entrantes’, gente que está no agro há pouco tempo, numa área ainda nova de produção. É gente com menos experiência, logo, vai exigir mais exigências para conseguir o crédito. Por outro lado, a região sul tem larga experiência na atividade e, mesmo sofrendo com eventos climáticos e perdas severas, consegue apresentar um padrão satisfatório de quitação dos débitos.
Em 2025, os preços das commodities devem permanecer baixos e as adversidades climáticas nunca foram nenhuma novidade. Como o empreendedor rural deve comportar-se?
O mercado está muito endividado, o produtor está muito endividado e isso é crucial, deve ser levado em consideração na avaliação de risco. Veja, temos uma dependência muito grande de soja e milho. E essa realidade coloca todos em três perspectivas. Primeiro, os impactos severos quando há oscilações de preços. Segundo, você fica mais frágil diante de alterações climáticas, você tem menos opções para evitar uma perda de safra. E, em terceiro lugar, tem a profissionalização da gestão financeira. Estamos avançando cada vez mais, mas ainda há muita gente que necessita de educação financeira. Afinal, pegam milhões de reais para seu custeio e é necessário um trabalho forte aqui.
A coisa é assim tão grave?
Eu compartilhei no evento dois estudos, duas ferramentas em que temos trabalhado com o Banco Central e as instituições financeiras para fazer monitoramento do uso do financiamento. Para qualquer credor. Uma ferramenta é sobre desvio de finalidade. Pegamos todos os financiamentos de soja em 2022 e 2023, analisamos tudo, para saber se realmente foi plantada a cultura, a área exata, a produtividade e se cumpriram com o que foi financiado. E os números são preocupantes. O CAR (Cadastro Ambiental Rural) tem grandes problemas de precisão. Mas atentamos para casos como dinheiro tomado para o plantio de soja e que acabou sendo desviado para o milho. Ou então o dinheiro foi usado com soja, mas apenas em parte da lavoura. E casos em que você não encontra nada plantado. O Banco do Brasil tem pressionado cada vez mais as instituições financeiras para monitorar tudo. Quando a gente observa desvios, ou possíveis desvios, da safra 2022 – 2023, a gente encontra 600 mil hectares que podem representar um financiamento desviado de R$ 3 milhões. E aqui um ponto importante: essa tarefa é do agente financiador, da instituição financeira, que precisa conhecer seus clientes. E temos um percentual relevante se a gente pensar em áreas com possíveis desvios de 50%, estamos falando de 16% de um total de operações.
Há problemas também com os seguros?
Achamos casos muito curiosos dentro das áreas que analisamos. 40% das transações têm um pedido de seguro associado, o Proagro (Programa de Garantia da Atividade Agropecuária). O que é lícito, pois pode ter havido realmente uma seca ou outro problema que prejudicou efetivamente a lavoura. Mas há casos onde não houve desvio, a lavoura foi plantada, colhida e ainda assim o pedido foi deferido. São pontos que precisamos melhorar. Usando muita tecnologia para monitoramento e prevenção contra fraude. E ainda tem o CAR disponível, com todo mundo podendo consultar, seguradoras e agentes de crédito, com informação total, transparente, fidedigna. Isso vai deixar os juros mais baratos nessas transações.
Existem casos de má fé?
Quando analisamos desvio de finalidade e inadimplência, também encontramos uma correlação, o que é meio óbvio. Tem casos de problemas reais que prejudicaram a lavoura, não conseguiu criar caixa e resultou em não pagamento. Mas há um percentual que basicamente é algo construído para se pegar um crédito e não pagar. Monitorar o tipo de comportamento para antecipar-se e saber se há risco no crédito.
A pancada sofrida pelo setor foi generalizada ou localizada?
“É preciso lembrar que o agronegócio é cíclico e passa por momentos de expansão e retração. O que aconteceu foi o reflexo de uma combinação de eventos diversos que causaram perdas e desafios significativos ao campo. O aumento dos juros, o preço baixo das commodities e os custos mais altos para a produção impactaram de forma negativa aqueles que já estavam comprometidos financeiramente. Ou seja, para algumas commodities e alguns municípios específicos, tem sido muito complexo equilibrar as contas. Mas não é algo generalizado no setor”.
É possível se antecipar a problemas financeiros com segurança?
“O uso de modelos preditivos viabiliza a identificação de perfis propensos à recuperação judicial e possibilita aos credores decisões mais seguras. Utilizar análises mais criteriosas para conceder crédito protege o mercado de realizar financiamentos com perfis economicamente instáveis, diminuindo riscos e fomentando a regulamentação da saúde financeira no setor.
De que maneira?
Por exemplo, a atuação do Agro Score, solução da Serasa Experian que entrega análises específicas para o setor, pode prever riscos de inadimplência dos produtores rurais e empresas ligadas ao agronegócio. Essa identificação acontece, pois o monitoramento de dados da ferramenta consegue registrar, com vários meses de antecedência, os perfis financeiros que já apresentavam sinais de instabilidade. Ou seja, é uma análise que diminui os riscos da concessão de crédito. A aplicação dessa tecnologia mostrou, por exemplo, que o Agro Score médio dos produtores e empresas relacionadas ao agro eram significativamente maiores do que o daqueles que solicitaram recuperação judicial, mesmo três anos antes do pedido. Além disso, em relação às companhias do setor, é possível observar que a queda na pontuação vai continuamente se acentuando ao longo do tempo.
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PRODUTORES RURAIS QUE ATUAM COM PERFIL JURÍDICO (PJ)
# Primeiro trimestre de 2023: 30
# Segundo trimestre de 2023: 34
# Terceiro trimestre de 2023: 38
# Quarto trimestre de 2023: 60
# Primeiro trimestre de 2024: 86
# Segundo trimestre: 121 | 40,6% sobre o período anterior
DADOS POR ESTADOS
# MG: 31
# MT: 28
# GO: 15
# MS: 12
# PR: 8
# RS: 7
# SC e SP: 6
# BA: 4
# TO: 2
EMPRESAS QUE PEDIRAM RJ
# Primeiro trimestre de 2023: 55
# Segundo trimestre de 2023: 55
# Terceiro trimestre de 2023: 56
# Quarto trimestre de 2023: 79
# Primeiro trimestre de 2024: 77
# Segundo trimestre: 94
DADOS POR ESTADOS
# GO e SP: 16
# MG: 12
# RS: 10
# SC: 9
# MT e PR: 6
# BA: 5
# PE e RJ: 4
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METODOLOGIA
O levantamento feito pela Serasa Experian foi construído a partir das estatísticas de processos do número de documentos que solicitam recuperação judicial no Agronegócio registradas mensalmente na base de dados da companhia e provenientes dos tribunais de justiça de todos os Estados. Estão contemplados produtores rurais de todos os portes que atuam como pessoas jurídicas e empresas demandantes do recurso analisado que possuem Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE) principal constante no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) da cadeia agro. Além disso, as análises estaduais são realizadas de acordo com a Unidade Federativa atrelada ao CNPJ do demandante. Os resultados atuais não são comparáveis com os publicados anteriormente, pois foram feitas modificações na metodologia de classificação, como, por exemplo, a consideração apenas do CNAE principal dos perfis analisados nas classificações.