Diuturnamente, alardeia-se que a reforma tributária promulgada no último ano, através da EC 132/2023, atualmente em discussão na Câmara dos Deputados, através do PLP 68/2024, representará um desafio imenso para a gestão e planejamento tributário de todos os setores econômicos. Contudo, apesar desse constante estado de alerta, nos é forçoso dizer que a grande maioria das empresas, como é comum ocorrer em cenários de grande mudança, optaram por quedar-se inertes frente ao pequeno furacão que se avizinha num horizonte não muito distante.
Traçamos esse paralelo a fim de ilustrar a imensa gama de alterações legislativas, adequações procedimentais e adaptações sistêmicas às quais os entes federativos, as empresas e pessoas físicas afetadas pela reforma serão submetidas nos próximos anos até a sua implementação completa, em 2033. Adentrando o cerne da questão, como já pontuado por várias autoridades tributárias, sejam da academia, sejam do poder público, o atual sistema tributário carrega consigo um resíduo tributário absurdo ao longo da cadeia de consumo que onera em demasia o consumidor final e agrava sobremaneira as desigualdades de renda e classe, posto que atinge as camadas menos favorecidas da população.
Esse “manicômio tributário”, como é denominado por alguns autores, também implica em elevados custos de compliance, assumidos pelas empresas, no intuito de manter a sua regularidade fiscal. Essa celeuma se revela, seja por uma decisão judicial contrária aos interesses dos contribuintes, aumentando a insegurança jurídica, seja pelo posicionamento puramente arrecadatório dos fiscos, cuja prática de cobranças descabidas, porém, legalmente constituídas, baseiam-se única e exclusivamente no Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público, que pode resultar em sanções administrativas, aplicáveis ao agente público, que vier a descumprir suas atribuições.
Podemos dizer então que, em alguma medida, essa reforma busca simplificar esse sistema e reduzir sua litigiosidade, seja através da unificação dos tributos, da gestão centralizada dos mesmos pelo Comitê Gestor, da implementação da não cumulatividade plena e da tributação em base ampla, seja pela arrecadação através do prometido sistema de Split Payment, no qual o pagamento do tributo, já ocorre na liquidação financeira da operação permitindo o creditamento e compensação do adquirente.
Para além disso, do ponto de vista procedimental, após a aprovação dos projetos de lei que regulamentarão o texto constitucional, a qual deve ocorrer ainda em 2024, pode-se dizer que todos os stakeholders envolvidos, terão “somente” o ano de 2025, para estudar os textos normativos e realizar uma adaptação em seus ERPs, no qual consigam já em 2026, apurar o IVA à uma alíquota teste de 1%, sendo 0,1% para a CBS e 0,9% para o IBS, as quais serão descontadas dos tributos atuais.
Nessa “fase teste”, o intuito principal das empresas deve ser combinar as apurações atuais de ICMS, IPI, Pis, Cofins e ISS a uma apuração paralela do IVA, sendo que da ótica governamental, essa fase servirá como bussola para a medição do potencial arrecadatório do novo tributo, que deverá ser calibrado a fim de que mesmo após a extinção dos antigos o Governo perceba a mesma receita, em linha com as Leis e Diretrizes Orçamentárias de observância obrigatória a todos os entes federados.
Já quando olhamos mais atentamente aos setores abrangidos pela reforma, concluímos que o setor de serviços será talvez o mais afetado, pois, em se tratando dos tributos sobre o consumo, sua tributação atual aproximada é de 9,65% (lucro presumido), incluídos apenas o ISS, o Pis e a Cofins, o que segundo estimativas do próprio Governo, passará a ser de 26,5%, com algumas exceções que o texto do PLP 68/2024 trouxe, resultando em um aumento de 16,85% na carga tributária para as empresas prestadoras de serviço.
A Reforma preserva, é claro, a competitividade das empresas nacionais no mercado global ao não tributar as exportações de bens e serviços, além de permitir a manutenção do crédito tomado nas aquisições internas, contudo, quando observamos o setor de serviços especificamente, podemos entender que do ponto de vista econômico, há um grande desafio de política fiscal e social a ser enfrentado pelo Governo Federal.
Entendemos como um desafio de ordem macroeconômica, porque quando olhamos mais atentamente para o mercado doméstico, constatamos que os serviços, respondem por grande parcela do nosso PIB, logo, uma elevação de custo tributário, invariavelmente repassado ao tomador, impactará diretamente na inflação real percebida no orçamento dos lares brasileiros, prejudicando não só o controle inflacionário, mas, também desestimulando o consumo e gerando desemprego, fatores determinantes para o crescimento econômico, podendo agravar a situação de um país como o nosso, que amarga nos últimos anos as últimas posições no ranking de crescimento dentre as nações consideradas emergentes.
Considerando alguns dos fatores supra, podemos sim dizer que essa reforma tende a melhorar o ambiente econômico do país, posto que dará mais transparência aos custos tributários das operações facilitando a ocorrência de negociações com investidores estrangeiros, por exemplo, os quais muitas vezes são afugentados pelo emaranhado de normas tributárias, não só de difícil compreensão, mas que muitas vezes, impossibilitam a visualização da vantagem econômica do negócio.
A ver, portanto, como os setores econômicos, e por sua vez as empresas, responderão a essas alterações que entregam simplificação e transparência ao mesmo tempo que exigem um bom planejamento tributário e econômico, algo que, infelizmente, ainda não faz parte do cotidiano da maioria do empresariado brasileiro, tampouco dos entes estatais. Por isso, nos acendem o alerta para turbulências e sobressaltos que, ao mesmo tempo, nos deixam otimistas, afinal, não devemos temer os desafios da mudança, pois, conforme dizia Gandhi “Se queremos progredir, não devemos repetir a história, mas fazer uma história nova.”
Ranieri Genari é advogado e membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/Ribeirão Preto.