Carlos Cogo: “A fazenda Brasil produz bem, mas não faz boa gestão”

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Ele traz os números na alma e na boca. Um atrás do outro. Para não acabar mais. Fala direto, objetivo e rápido. Alta rotação até o fundo da alma. São mais de 32 anos atuando como consultor de grandes corporações e agropecuárias. Médico Veterinário formado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, fez pós-graduação em Agronegócios pela Universidade Federal do Paraná e especialização em ‘Análises de Mercados’, na mesma instituição. Morou e trabalhou em Buenos Aires e Cidade do México, para conhecer como atuavam as agências de consultoria, entender o mercado e os modelos internacionais de consultoria. Atuou na área de pesquisas econômicas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) durante sete anos, em levantamentos de safras, elaboração de custos de produção e política agrícola. Então, Carlos Cogo tornou-se consultor, quando a atividade era nascente.

A ‘Cogo Inteligência em Agronegócio’ atende agricultores, cooperativas, tradings, agroindústrias, corretoras, agentes financeiros, empresas de insumos, armazenagem e máquinas agrícolas. Do Brasil e exterior. Gente graúda, como Sumitomo Chemical, IHARA, ADAMA, Nortene, Jacto, Bayer, Valmont, Bradesco, GSI, Sicredi, entre várias outras marcas. Tem um dos maiores bancos de dados do Agro Brasil. O ‘homem dos números’ entrega-se a relatórios mensais com as tendências dos mercados de commodities agrícolas e orientações para os clientes conduzirem as atividades com base em informações estratégicas e fundamentadas. Safras, grãos, tendências, sínteses, custos, projeções, rentabilidade, áreas de cultivo, máquinas agrícolas, insumos, crédito, investimentos. Entrega para gente graúda do setor. A trajetória desse gaúcho descendente de imigrantes italianos que foram cultivar as terras das serras do Rio Grande acompanhou de perto o salto tecnológico, produtivo e econômico do agronegócio do Brasil.

O Brasil planta 73 milhões de hectares de grãos usando apenas 48,6 milhões de hectares. Porque quase 24 milhões de hectares são utilizados duas, três ou até quatro vezes no mesmo ano. “É milho segunda safra, feijão terceira safra, algodão de segunda safra e assim por diante. Alargamos grandemente a quantidade de área que está sendo usada durante o ano. E com o uso intensivo de tecnologia. Defensivos, fertilizantes, insumos, inteligência artificial, biológicos, máquinas, equipamentos. Até porque nosso país não é marcado pela riqueza dos solos. Temos deficiência de ingredientes, principalmente nas grandes regiões de fronteira agrícola, como Cerrado, Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Mas o produtor investiu, perseverou, acreditou e trabalhou, cravando saltos de quase 6% ao ano”, reforça Cogo.

Mas vocês sabem que gaúcho é gaúcho. O consultor elogia o salto monumental dado pelo setor em quarenta anos. Mas ficou bravo em 2023 com a falta de planejamento do agricultor para comercializar a safra recorde de mais de 320 milhões de toneladas. E adianta que o mesmo erro pode se repetir em 2024. “Temos que definir nossa meta de margem, olhar melhor as análises, pensar apenas o lado do produtor. Não depender dos outros. E aprender a gerir melhor”, dispara. Agro Brasil, escute o Cogo!

Em mais de 32 anos na área, o que mais te marcou?

A escalada do Brasil para tornar-se o maior exportador mundial de grãos e um dos maiores produtores de alimentos do planeta.  Não foi de uma hora para outra. Foi uma cadência muito boa e agora acelerando bastante. Vencemos vários desafios e agora temos outros pela frente.

E quem foi o grande responsável? Produtor, governo, empresas, entidades de pesquisa, universidades?

Sem sombra de dúvida, foi o produtor rural. Trabalhou na terra, enfrentou solos desafiadores, seguiu em frente, abriu fronteiras. Em vários momentos, teve ajuda de vários profissionais, ministros, empresas, mas decisivo mesmo foi o papel do agricultor.

Como você analisa a Pecuária do Brasil hoje?

Estamos num ciclo positivo de oferta, depois de passar uma fase negativa. Os preços subiram bastante. Está certo que 2023 começou com uma queda nas vendas externas, cerca de 4% em volume, mas recuperou ao longo do período. Mas há excesso de animais para o abate, os criadores iniciaram a venda das fêmeas, o que provoca preços baixos, que é o ‘ciclo vicioso’ de valores. Mas logo virá a recuperação, provavelmente em 2024 e 2025, e a volta do crescimento dos preços. São os ciclos da pecuária que o produtor tem que saber gerir e, dentro do possível, aproveitar o movimento de contramão. Por exemplo, agora, aproveitar ao máximo para reter os bezerros, por no pasto e jogar esses animais mais gordos no mercado daqui dois anos.

Na Pecuária, todos reclamam que outros atores da cadeia ganham mais. Produto, indústria e Varejo. Alguém tem razão nesse ‘choro’?

Tem muito mito nessa história toda. O que posso dizer é que o supermercado tem um lucro muito pequeno. E a margem é obtida com o volume. Isso é histórico. É a menor margem de todas, com certeza. O frigorífico acompanha as oscilações dos mercados. Ele paga o boi de acordo com o que ele escoa de carne. E os preços internacionais para quem exporta não param de cair, ultimamente. Isso acaba sendo repassado ao mercado interno também.

Nesses últimos meses, você afirmou que o agricultor precisa melhorar a gestão. E o pecuarista, está atrás nessa jornada?

Não. Eles são iguais. O pecuarista sabe tocar a atividade, fazer o manejo todo correto, interpretar as coisas que necessita corrigir. Mas ambos sofrem com problemas de gestão. O pecuarista também. Ele precisa melhorar em questões como fazer hedge, proteção de preço, saber comprar insumos da maneira correta, trabalhar com a B3, entender bem os ciclos para se posicionar corretamente na chegada de cada ciclo. Falta gestão como falta também nos grãos.

O produtor rural brasileiro utiliza adequadamente a gestão dos dados divulgados por instituições de mercado, clima, etc.?

Muita gente argumenta, por exemplo, ao longo dos tempos, que não acreditam nos relatórios do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos na sigla em inglês. O centro de pesquisas do Agro mais respeitado no mundo). Para mim, depois de 32 anos de consultoria, isso é semântica. Todos os agentes do mercado se orientam por esses relatórios. E por análises climáticas, como as realizadas pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOOA). Eu não sou meteorologista, mas reconheço que as culturas são impactadas por fenômenos climáticos antecipados por especialistas para o mercado futuro. O mercado futuro não precifica uma quebra de safra, um dano de uma lavoura. E, sim, o risco. Existem safras seguradas e outras em aberto, sob influência do clima, e que influenciam os preços futuros das commodities. Análise mercadológica. Pura e simples. Eu trabalhei no USDA e quem chegar perto do que eles fazem vai ser muito bom. Eles desempenham rigorosamente, com aferimento. Já foram até melhores porque eles também sofrem problemas como outros no mundo inteiro. Mas são muito competentes.

O produtor vendeu mal a safra 2022 – 2023?

Houve uma perda de 30% no preço da soja na safra passada por erro de estratégia. É duro falar isso. Assim como é duro ouvir. Não é agradável. Mas eles precisam atentar para não cometerem o mesmo erro. Os prêmios até junho de 2024 estão negativos nos portos. Não pode haver erros de gestão. E isso é resultado da postura do produtor. Não tem nada a ver com atitudes do governo, do clima, etc. Muita gente não quer vender antecipadamente e pode errar feio como em 2023.

Isso pode se repetir agora?

Eu sou um analista, não um juiz. Sou direto e honesto. E digo que o produtor brasileiro está caminhando para cometer novamente um grande erro estratégico. Ele não está fazendo hedge antecipado, travando parte do que vai colher. Os portos estão com prêmios na mesma linha de 2023 e os agricultores seguem apostando em preços e não nos resultados. Eles precisam olhar o custo operacional objetivo, definirem a margem mínima concreta, o resultado do trabalho produtivo. Mas não, levam ao limite da gestão equivocada.

Qual a sua previsão para a safra 2023 – 2024?

A safra de soja deve ser boa, com algo em torno de 163,4 milhões de toneladas. Aliás, acertamos a safra total em 2022 – 2023. E imaginamos a próxima em torno de 332 milhões de toneladas, um pouco menor em milho, se não houver grandes novidades climáticas. Eu diria uma safra normal. E grande, se pensarmos globalmente.

E os preços?

Projetamos preços médios mais baixos em 2024 do que foram em 2023 e 2022. A diferença é que os custos de produção tiveram queda proporcionalmente melhores do que as quedas de preços dos produtos. Porém, com margens muito boas para parâmetros históricos. É o que se avizinha para a temporada 2024.

Por que nossos produtores adiam tanto a decisão de vender?

É a mesma teimosia de sempre. O produto rural brasileiro não acredita em seca e em queda de preços. Se a saca estiver em R$ 150, ele acha que vai para R$ 170. Se chegar a R$ 170, ele acha que vai para mais de 200. E não vende.

As perspectivas de preços são boas em 2024?

Podemos ter quebras de safra causadas pelo El Nino. Mesmo assim, os preços não vão subir na soja. A margem bruta no Cerrado ficará em 28%, líquida de 11%. Não é ruim, nem excelente. E sem adivinhar nada. Vendas alongadas, mix de posições, ações corretas. Melhor do que o milho verão. O milho vai ter área menor no inverno de 2024 e com o clima atrapalhando. Os fertilizantes tiveram quedas expressivas, mas a ureia subiu bem. Vai ser milho para quem tem alta produtividade, pois a margem vai ser muito pequena. Coisa de duzentas sacas para cima, ponta total.

O milho, então, será um capítulo à parte?

Sim. O Brasil é um dos dois mais importantes players do mundo, formador de preços, mas há informações de estresse na segunda safra de milho e o mercado vai subir. O grão vai exigir cautela. O momento não é venda antecipada em grandes volumes. Temos exportações crescentes, produção de etanol, mas vamos passar por estoques baixos. A China compra forte e a Ucrânia zerou no fim do ano passado. A segunda safra terá estoque curto. Talvez uma margem de 11%. O que é espetacular para os americanos. Porém o produtor brasileiro não reconhece e vai interpretar como desejar. O mercado já precificou. O milho tem capacidade para subir. E ainda tem o descolamento dos preços do trigo e milho. Não é normal. E um segundo movimento com produtores fazendo algodão e sorgo. Sorgo brasileiro de boa qualidade, com contratos na B3. E algodão firme, com bons preços. 17% de lucro, o que é um baita resultado diante do ano passado.

No comércio internacional, qual deve ser a aposta brasileira: aumentar o número de países que compram da gente ou atuar com produtos mais caros?

Evidentemente, sempre vai ser melhor negócio comercializar produto processado e acabado do que matérias primas. Farelo e óleo no lugar da soja. Vestuário ao invés de pluma e algodão. Porém, não defendo nenhuma postura radical. Temos é que entender, conhecer o formato do mercado. Para ficar em um exemplo. A China, que é um grande comprador nosso, taxa fortemente a importação que realiza de farelo de soja. Em 13%. E a soja entra lá com um imposto bem menor, de 3%. Logo, neste caso, é bom negócio para o Brasil exportar o grão. Quem vai mudar essa questão tributária chinesa? Nós? É claro que não. É um detalhe interno deles. Nosso papel é entender a dinâmica dos mercados. Sou a favor, sim, de agregarmos valor às nossas commodities e temos um belo exemplo na cadeia da carne de frango e carne suína, que usa soja e milho para dar valor e vender proteína animal ao mundo inteiro. Somos o maior exportador mundial de carne de frango e o quarto de carne suína. É um modelo que pode ser estendido a outros setores, mas depende de ação dos produtores, das entidades e do governo.

A Europa ainda é um excelente mercado, com mais de 400 milhões de consumidores de alto poder aquisitivo, mas ‘caça briga’ com todo o mundo, usando como desculpa o desmatamento, uso de produtos, doenças. Vale a pena ainda tentar vender mais para eles? Ou é melhor optarmos de vez pela Ásia, Oceania, África e América?

Não devemos abrir mão da Europa. É um mercado importante, absorve 16% das exportações do nosso Agro. As exigências que eles fazem agora, nas regras atuais, são descabidas por não respeitar o que é desmatamento legal e ilegal para adquirirem nossos produtos. Está errado. Entretanto, o Brasil vai precisar encontrar fórmulas para adequar-se ao cliente. É importante destacar que não é apenas a Europa que está indo por esse caminho. Japão, China e Estados Unidos vão adotar políticas similares no curto e médio prazo para originar produtos de áreas desmatadas. Ou até normas ainda mais duras. Todos os nossos grandes parceiros comerciais vão seguir na mesma trilha. O melhor mesmo é se ajustar e entregar o que o cliente está pedindo.

E como anda a Comunicação do Agronegócio do Brasil?

É ruim. Não é nada boa.

Como melhorar?

Tem que ter mais coesão. Falar com uma voz só. Não conseguimos isso ainda. Só assim para o segmento defender-se de agressões externas e internas. Lutar pelos nossos princípios.

O Brasil Político pode atrapalhar o Brasil Agro?

Nossos desafios são essencialmente internos. Entretanto, conquistamos e abrimos vários mercados internacionais. E cada parceiro novo é um mercado a mais. Só nós vendemos carne de frango para judeus e árabes, simultaneamente. Temos uma ótima colocação geopolítica comercial. Vendemos para China, Oriente Médio, África e Estados Unidos. Competimos com parceiros competentes em meio a uma guerra na Ucrânia, outra na Palestina. É uma postura correta, independentemente de política interna. Quero ver resultados. Há falas inadequadas aqui e ali, mas o agro brasileiro vem fazendo um bom trabalho na área comercial. E há vários anos. Olhem o banho na questão sanitária que estamos dando no tocante à Gripe Aviária. Ela está presente aqui dentro e nada de casos em produção comercial. Somos campeões em oportunidades. Faltam portos, estradas, vivemos muitos problemas. Mas estamos seguindo. Liderando em carnes, grãos, açúcar, energia, laranja, madeira, celulose, etc. Um estado olímpico de oportunidades. Mas fica o alerta de que o produtor não pode ficar esperando. Somos campeões em plantio, conquistamos o Cerrado, um local inóspito, porém somos ainda muitos fracos em gestão da porteira para dentro. Temos que definir nossa meta de margem, olhar mais as análises, não pensar no lado que não é o dele, não depender dos outros. Ainda não sabemos gerir.


CARLOS COGO

# Nasceu em Porto Alegre (RS) | Casado | Sem filhos
# Neto de imigrantes italianos que foram plantar na Serra Gaúcha
# Médico Veterinário | Universidade Federal do Rio Grande do Sul
# Especializado em Análise de Mercado | Universidade Federal do Paraná
# Professor de Pós-Graduação da Fundação Dom Cabral (MG)
# 32 anos atuando como consultor

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