O IV Seminário Jurídico do Sistema OCB foi realizado na semana passada em Brasília. O evento se dedicou ao debate das principais novidades e desafios do Direito Cooperativo na atualidade em discussão nos Três Poderes e contou com a participação de juristas renomados, entre eles, Luiz Fux (foto acima), ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), e Rafael Horn, vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Nacional e também representante do Conselho da Justiça Federal (CJF).
A abertura foi feita pelo presidente do Sistema OCB, Márcio Lopes de Freitas, em conjunto com Rafael Horn. Márcio Freitas destacou o papel estratégico do cooperativismo para o desenvolvimento social e econômico do Brasil e lembrou a importância da parceria com a OAB nas ações de representação do movimento junto aos Três Poderes. “A presença do Rafael mostra a aliança estratégica que o sistema de representação do cooperativismo e a OAB têm tido, ao longo dos últimos anos, com a formação de fóruns específicos para a discussão de temas relevantes para o nosso movimento. Uma construção conjunta que, com certeza, contribui para o alcance das nossas metas, como o Desafio BRC 1 Tri, que prevê 30 milhões de cooperados e movimentação financeira de R$ 1 trilhão até 2027”, afirmou.
Horn, por sua vez, defendeu o papel da Ordem em promover o cooperativismo. “Com o intuito de promover (o cooperativismo), desde a base, a OAB tem buscado, com duas comissões, uma de cooperativismo, e outra específica de cooperativismo de crédito, que trata das relações com o Banco Central. A Ordem está ao lado do movimento cooperativista brasileiro, em defesa de sua promoção e, principalmente, de combater o desconhecimento dos operadores do Direito. É preciso conscientizar a classe política e a sociedade sobre as particularidades desse movimento que possui ideais semelhantes aos nossos de compartilhamento, compromisso com a sociedade e intercooperação”, declarou.
Justiça Social – Em palestra magna com tema O papel do cooperativismo na promoção dos preceitos e valores constitucionais, Luiz Fux ilustrou a importância do cooperativismo na jornada em busca da Justiça Social. “O cooperativismo exerce um dos mais importantes desígnios da Justiça Social. Ele é o sonho mais formoso da humanidade e sobrevive de duas regras básicas. A primeira é Eu sou o que você é, que representa o princípio da igualdade. E a segunda, a da velha máxima criada por Alexandre Dumas em os Três Mosqueteiros: um por todos e todos por um”.
O magistrado disse estar “encantado com o movimento”. Segundo ele, o cooperativismo representa a vitória da harmonia sobre o capitalismo individual. “As mudanças que temos assistido no mundo nos últimos anos mostram que o futuro dos negócios exige uma economia compartilhada com integridade e sustentabilidade. Ou seja, o futuro é da cooperação, de pessoas que se associam em busca de interesses comuns e também de suas comunidades”, ressaltou.
Sobre os preceitos e valores constitucionais, Fux lembrou que um dos principais destaques do cooperativismo é sua gestão democrática. “Não há intervenção estatal. Então, se equipara à questão da liberdade, tanto de expressão, quanto de pensamento. Além disso, as cooperativas não se interessam apenas pelo negócio. Há valorização da dignidade humana, geração de empregos e renda, o que também contribui para o desenvolvimento econômico do país”, complementou.
Em seguida, foi aberto o primeiro painel do seminário, com o tema Ato Cooperativo: atualidades e o futuro da tributação de cooperativas. A moderação foi feita pela assessora jurídica do Sistema OCB, Ana Paula Ramos. Ela explicou que o cooperativismo possui particularidades em relação à tributação e, para discorrer sobre o assunto, convidou a professora e advogada Betina Gupenmacher.
Betina ressaltou ter muita simpatia pelo cooperativismo, tendo em vista a solidariedade, a prosperidade e a união de esforços que ele representa. Segundo ela, a Reforma trará resultados positivos para o movimento. “Gostaria de deixar meu cumprimento ao Sistema OCB pelos esforços empregados para que esse fosse o desenho final para o movimento coop”. A advogada falou ainda sobre as desonerações previstas na Reforma e a relação com o cooperativismo, com base no que é discutido desde a promulgação da Constituição de 1988.
João Caetano Muzzi, consultor jurídico do Sistema OCB, falou sobre as perspectivas atuais e futuras do ato cooperativo ao contextualizar a história desse modelo e qual a amplitude do artigo 79, previsto na legislação constitucional. “Todo o debate culminou com a construção de um texto com neutralidade jurídica para o ato cooperativo dentro de um tributo não cumulativo, de maneira inédita no Brasil”, contou. Ele definiu ato cooperativo como uma ideia genuinamente brasileira. “É diferente de tudo, não é uma mera relação. O ato jurídico cooperativo é complexo, é um ciclo fechado que volta a riqueza para o cooperado, uma inclusão econômica realizada no mercado. É a alma do cooperativismo”, ratificou.
Por sua vez, Heleno Torres, professor de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), discursou sobre a importância do cooperativismo. Ele lembrou que esse é o único modelo societário mencionado pelo texto constitucional e, para o qual, é definido que o Poder Público não pode criar controles como forma de proteger o cooperado. “O artigo 5º, inciso 28, coloca o movimento numa condição diferenciada. É a titularidade de um direito fundamental”, explicou. Para o professor, as mudanças feitas a partir da definição do conceito de ato cooperativo dará ao movimento solidez no que diz respeito à matéria tributária.
Perspectiva legisladora – O segundo painel foi moderado por Micheli Mayumi Iwasaki, assessora jurídica da Ocergs e abordou o tema Alterações legislativas e cooperativismo: cooperativas de seguros e a recuperação judicial de cooperativas. Para abrir o tema, Gustavo Diniz, professor de Direito Comercial da USP, tratou sobre a reorganização cooperativa. Para ele, quando há uma crise no negócio, o Sistema de Recuperação Judicial existente não assegura o modelo cooperativista. “Não atende ao ato cooperativo e a intercooperação imanente dos negócios feitos. Como é possível aplicar uma recuperação judicial de cooperativa no cooperado com deságio de 80%? Isso traz um prejuízo para a comunidade, para o cooperado, para a essência do modelo”, ponderou.
De acordo com Gustavo, há uma grande questão na omissão constitucional que não permite a saída da crise de forma estruturada, sem atender as peculiaridades do cooperativismo. “A legislação não é adequada a uma recuperação de cooperativa ou processo de dissolução. É preciso que existam, por exemplo, compensações tributárias, com liberação dos créditos de forma rápida para que a cooperativa saia da crise”, concluiu.
O presidente da Comissão de Direito Securitário da OAB/PR, Luiz Assi, falou sobre o cenário atual do mercado de seguros e sobre os projetos de lei que asseguram maior participação das cooperativas no segmento, atualmente limitadas pela regulamentação vigente. Assi considera que existe uma disparidade entre a posição brasileira e a do mercado global. “Os contratos de seguro são uma ferramenta essencial ao desenvolvimento econômico de todas as nações e, ao garantir riscos, com o pagamento de indenizações, renda e benefícios, eles conferem segurança econômica e bem-estar às pessoas. Dessa forma, é possível preservar patrimônios, motivar e gerar negócios. Quanto mais acessível for o seguro, mais desenvolvimento teremos. O cooperativismo possui sintonia com os seguros, a partir de seus princípios e fundamentos”, Defendeu.
Élbio Sena, assessor jurídico da Fetrabalho, moderou o painel Temas relevantes em debate no Poder Judiciário. A advogada trabalhista Maíra Fonseca falou sobre terceirização e cooperativas. Ela acredita que dentro da terceirização, é fundamental entender o que é possível demandar do tomador de serviços e também o que deve ser pedido a quem presta os serviços. “A lei é muito clara no que diz respeito às responsabilidades que devem ser observadas por tomadores e intermediadores para que tenhamos um compliance trabalhista nas operações de terceirização que podem ser seguras para todas as partes envolvidas”, disse.
O especialista em Direito Civil e advogado cooperativista, Leonardo Mattos, expôs o tema Atos cooperativos nas recuperações judiciais e iniciou sua fala citando a capacidade humana de trabalhar de forma solidária e colaborativa, o que permite a sobrevivência de empreendimentos cooperativos e perenes. Mattos citou a Lei 14.112/2020, que trata sobre a Reforma da Lei de Falência e Recuperação, e a importância sobre a determinação de não sujeição dos créditos decorrentes do ato cooperativo. “A OCB contribuiu para que o artigo 6º do parágrafo 13 dessa Lei fosse estrategicamente colocado no texto e sancionado no Senado Federal”.
Renato Campos Leite, superintendente jurídico da Unimed BH, falou sobre o Princípio das portas abertas e admissão de novos associados. Ele explorou as interpretações da legislação, a importância de observância dos requisitos de admissão, bem como o princípio das portas abertas, nos termos da lei 5.764/71. “As condições precisam ser claras e objetivas. Não deve ser permitido que critérios discriminatórios sejam considerados. Como, por exemplo, a vedação do ingresso por crença religiosa ou sexo”, mencionou. O jurista deixou claro que o princípio das portas abertas não pode inviabilizar a cooperativa e deve guiar as condições de admissão previstas no Estatuto Social.
Para finalizar o evento, Paula Forgioni, professora titular de Direito Comercial da USP, discorreu sobre A reforma do Código Civil e o Cooperativismo. “A reforma busca desburocratizar, simplificar, atualizar e não modificar todo o código. Além disso, quer trazer segurança e manter a previsibilidade”. Paula acredita que a cooperativa é como uma célula dentro do sistema capitalista com capacidade para aumentar a qualidade de vida das pessoas e gerar riquezas. “No entanto, é também um agente econômico que consome riquezas. Assim, não é só uma questão de beneficiar os cooperados e, sim, de aumentar o fluxo de relações econômicas, trazendo progresso para toda a sociedade “.