Entrevista: Ricardo Amorim

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“Pode estar nascendo uma nova Era na Política Internacional. E o alimento permanece eterno”

Uma pandemia. E logo em seguida, uma guerra em pleno território europeu, envolvendo um país com poder nuclear para destruir o planeta e assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Foi demais até para o tarimbado economista, escritor, empreendedor, apresentador de televisão, palestrante, colunista de revistas, jornais e rádios Ricardo Amorim. “Eu nunca poderia imaginar, no início de 2020, fazer prognósticos levando em conta uma pandemia e uma guerra. Até brinquei com isso em uma palestra. Mas era, realmente, uma brincadeira”, lembra bem humorado. E olhe que este homem é antenado como poucos. Graduado na Universidade de São Paulo, com especialização em Administração e Finanças Internacionais pela École Supérieure des Sciences Économiques et Commerciales (Paris), trabalha há vinte anos no mercado financeiro como economista, estrategista e gestor de investimentos, já foi eleito como uma das 100 pessoas mais influentes do Brasil e considerado pelo Linkedin como o maior influenciador do país. Prêmios, então, mal dá para listar, todos na seara da Imprensa e das mídias sociais.

Depois de dois anos de tamanha turbulência, Ricardo subiu ao palco do 12º Simpósio Nacional da Indústria de Suplementos Minerais (ASBRAM) e foi claro: pode estar surgindo uma nova Era na Política Internacional, com uma consolidação de Rússia e China como potências econômicas e militares unidas, além de um eixo financeiro mundial direcionado ao Oriente. Porém, ele tranquilizou os empresários do segmento. “Quem produz carne bovina tem vaga garantida no trem do futuro. Os alimentos vão permanecer como produto procurado no planeta inteiro. Mas vocês precisam se comunicar digitalmente com as novas gerações e mostrar o que estão fazendo efetivamente por qualidade alimentar e sustentabilidade econômica, ambiental e social”. O Ricardo falou bem mais. Acompanhe.

AgroRevenda – Como é possível prever o futuro da Economia atualmente?
Ricardo Amorim – Eu nunca poderia imaginar, dois anos atrás, que eu estaria falando de prognósticos levando em conta uma guerra e uma pandemia. E olhe que, um dia desses, lembraram-me que eu disse isso em uma palestra de 2019, ao prever tendências e panoramas do futuro. Eu tentava desenhar prognósticos sobre Economia, Política, Agronegócio, Comércio, etc. e disse que só mudaria drasticamente de opinião se houvesse um conflito armado entre nações ou uma doença que atingisse o planeta inteiro. Mas eu juro que era só uma brincadeira.

AgroRevenda – E esse quadro complexo pode mudar rápido?
Ricardo Amorim – Arrisco que existe uma chance de mais de 50% que tenhamos uma reversão em curto prazo. Mas precisamos analisar o contexto. É fácil constatar que, tempos atrás, era mais comum o mundo viver com conflitos entre países, inclusive bélicos, do que em momentos de paz. E, nas últimas décadas, não havia nenhuma perspectiva de um enfrentamento entre gigantes militares como atualmente. Logo depois da Queda do Muro de Berlim (1989), houve a dissociação da União Soviética e passamos a viver em um ambiente sem o enfrentamento entre duas grandes potências. E quando sobra um só lado forte, os outros abaixam a cabeça e o jogo segue. Agora, as coisas parecem estar ganhando novos contornos.

AgroRevenda – O que mudou efetivamente?
Ricardo Amorim – Muitas coisas. A China definitivamente emergiu. Ela hoje performa acima dos americanos em várias áreas, notadamente na Economia. Vamos lembrar que Donald Trump, assim que chegou à presidência dos Estados Unidos, peitou os chineses e iniciou uma autêntica guerra comercial. E sempre que houve uma potência dominante que se sente ameaçada, houve conflito. Tudo bem que, por enquanto, só no nível retórico. E já com Joe Binden no comando dos EUA. Mas atente que a China ainda investe pesado na área tecnológica, vive praticamente com uma internet paralela, ao largo do resto do mundo. Em terceiro, depois da pandemia, a produção industrial despencou e todos esperavam uma queda espetacular. Os especialistas previam preços negativos para o petróleo. Entretanto, todos os governos fizeram chover dinheiro para salvar o ‘planeta doente’. E o tratamento funcionou. A economia mundial cresceu. Mas as cadeias produtivas se quebraram. Mais dinheiro rolava e menos produto havia para vender. A inflação explodiu em todos os continentes. Um belo exemplo: a Rússia exporta de petróleo tudo o que o Brasil vende ao exterior. E eles ficaram cheios de grana. Sem falar que têm em torno de quatro mil ogivas nucleares, um poder descomunal. Isso não me mete medo porque americanos e russos dificilmente usarão esse arsenal. Mas o núcleo do poder mundial está se deslocando rapidamente para o Oriente, com China e Rússia à frente. Do lado de cá, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) tenta jogar a linha de influência mais para o Leste. Logicamente, Vladimir Putin sentiu-se ameaçado e atacou a Ucrânia. Ironicamente, a palavra Ucrânia, em russo, significa ‘Fronteira’.

AgroRevenda – O que vai ocorrer na sua visão?
Ricardo Amorim – 
A OTAN não vai se envolver concretamente, militarmente, a favor dos ucranianos. Ao mesmo tempo, a Rússia vai permanecer destruindo e ocupando importantes regiões do país que eles atacaram. E alertando para que nenhuma nação mais próxima do território dela se aproxime da OTAN. Muito menos integrar-se militarmente. Além de permanecerem conversando cada vez mais com os chineses sobre relações comerciais, integração, armas, etc. Certamente, uma nova ordem mundial está nascendo.

AgroRevenda – Quais as consequências desse panorama se ele se impor?
Ricardo Amorim –
O mundo racha de novo em dois grandes blocos. O Ocidental e o Oriental. E a economia mundial pode ser afetada drasticamente. Houve bloqueio das reservas internacionais russas. São 600 bilhões de dólares, muito dinheiro. Vários países do lado de lá do mapa são fornecedores quase exclusivos de produtos vitais, como semicondutores, fertilizantes, grãos, etc. Metade do crescimento do mundo está lá, pilotado por China e Índia. Pela primeira vez, depois da segunda grande guerra mundial, o Dólar americano pode ser confrontado no câmbio, com Rublo, Yuan e as criptomoedas. Putin já declarou que vai querer receber na moeda dele o petróleo exportado. Se o novo retrato evoluir neste caminho, o Brasil pode ter problemas. Principalmente no Agronegócio. O preço dos alimentos vai às alturas. Isso me preocupa. Dependemos bastante tanto da economia americana como da China. Logo, precisamos montar uma estratégia pensando nessa nova realidade. Ser obrigado a escolher um lado não vai ser tão fácil.

AgroRevenda – A guerra termina rapidamente?
Ricardo Amorim – 
Acredito que possa haver uma declaração de paz no horizonte, mesmo com o presidente ucraniano ‘louco da vida’ com os países europeus, a OTAN e o presidente americano. Mas, isto acontecendo, o que importa a nós brasileiros é entender que o eixo da economia mundial está mudando para a Ásia. O conflito teve um impacto no mundo e no Brasil. A turbulência aumentou. Ok, mas o preço do petróleo está desabando, os eixos vão se acomodando e a economia mundial vai acabar se estruturando dentro das novas condições.

AgroRevenda – E o Agro Brasil?
Ricardo Amorim – 
A parte do consumo de comida que vem dos países ricos é cada vez menor. Eles já comeram tudo o que tinham para comer. Mas, o que ocorre com os emergentes? Índia e China, primordialmente? A nova população não vai querer ‘carne de tofu’. Nas próximas décadas, é garantido, o pessoal que entra no mercado vai querer comer carne. Principalmente a bovina. Tudo bem que podemos enfrentar problemas. A China convive há mais de um ano com o pesadelo dos imóveis, por exemplo. Não há solução final para isso por enquanto, mas a bolha imobiliária chinesa sempre vai causar temor. Só que no Brasil também. Foram lançados 113 mil apartamentos e casas em 2021 no nosso país. Nos EUA, foram vinte vezes mais. E, na China, duzentas vezes mais. E a renda per capita na China é parecida com a nossa. Se a bolha estourar, e quando estourar, logicamente vai dar problema. Mais um motivo para acompanharmos de perto. Nada garante que novos transtornos não possam ocorrer. E vão. Só não sabemos quais e quando virão.

AgroRevenda – E como ficam nossa soja e nosso minério de ferro?
Ricardo Amorim – 
Realmente, os dois produtos são os que mais exportamos e quase tudo para os chineses. Eles compram muito e não produzem tanto assim. De novo, nada garante exatamente como o mercado vai se comportar. Necessita acompanhamento contínuo.

AgroRevenda – E…?
Ricardo Amorim – 
Nenhum país chega perto do potencial que temos para ‘fazermos’ e exportarmos comida. E sem por um só dedo na Amazônia. Por isso embarcamos tanta soja e muito milho. Para nosso favor adicional, quando aumenta o consumo por alimento e ocorrem doenças como Peste Suína e Gripe Aviária, o mundo corre atrás da nossa proteína animal e as exportações decolam.

AgroRevenda – E nem assim a imagem do Agro Brasil é positiva, certo?
Ricardo Amorim – 
Sim. Mas penso que a culpa é do público internacional não conhecer quase nada do nosso Agro. E não é por culpa deles e sim porque não conversamos com eles. São problemáticas envolvendo sustentabilidade, pecuária, emissão de gás metano, índios, carbono. Logicamente, tem muita hipocrisia dos países, governos e consumidores do exterior. Agora, o importante é reconhecermos que pecamos bastante na comunicação. E olhe que temos dados fantásticos para nos defendermos. Um quarto do nosso país é intocável, temos áreas de preservação permanente, os índios são donos de 15% do território nacional, dois terços das nossas terras são preservados de alguma maneira. Basta comparar com os Estados Unidos, considerado o segundo que mais preserva no mundo. Lá, o total é de apenas 20%. Mas, quem conhece nossos dados?

AgroRevenda – E as nossas perspectivas?
Ricardo Amorim – 
São grandiosas. Atualmente, vivemos as melhores condições de troca dos últimos quarenta anos. O que vendemos nunca esteve tão caro e o que compramos nunca esteve tão barato. São os preços internacionais. O que a gente compra lá fora não subiu tanto. E a nossa moeda fica ainda mais forte, o dólar despencando aqui dentro.

AgroRevenda – Mas, muita gente critica e diz que somos fortes apenas com commodity?
Ricardo Amorim – 
E esse pessoal tem razão. Poderíamos agregar muito mais valor ao que enviamos para o exterior. Não há nada errado no Agro ser base da nossa economia. O importante é ganharmos mais com o que fazemos no campo e na agroindústria. E a Comunicação é importante neste ponto porque constrói marca e valor, tira você da posição de commodity para o patamar de quanto o cliente quer pagar pelo que você oferta. Um estudo da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) de 2017 mostrou que um quilo de grão de café custava R$ 8,60 e um quilo de cápsula para expresso custava R$ 329. Importávamos as cápsulas pagando 37 vezes mais do que o grão que plantamos. É um desincentivo à produção. Quero que sejamos como o Chile. Há vinte anos, eles exportavam uva. Há dez anos, negociavam vinho barato. Hoje, vendem vinho de alta qualidade. Transferiram valor para a cadeia inteira. Gostaria que desenvolvêssemos esse modelo para o agro brasileiro. Vender commodities é bom. Mas embarcar valor também é. E recebemos mais. De qualquer maneira, vamos continuar nadando de braçada.

AgroRevenda – Como assim?
Ricardo Amorim – 
O segmento vem sustentando a economia brasileira profundamente nos últimos anos. Tem o lado da agricultura e o da pecuária. A demanda aumentou e os preços foram para cima. O curioso é que a variação da renda agrícola variou pouco, com um certo destaque no ano passado. Mas, quando falo de quedas na cadeia de produção, falo do consumo de carne bovina, que caiu bastante, mas os preços aumentaram no mesmo ritmo por causa de problemas na produção. E a migração de consumidores para outros alimentos me preocupa pouco nos próximos cinco anos, mas pode acelerar mais nos anos seguintes. Como no caso da carne de laboratório. Com o tempo, teremos sinais sobre o quanto vai avançar e merece o acompanhamento do setor mesmo não sendo ainda uma realidade.

AgroRevenda – E a Economia em geral?
Ricardo Amorim – 
Basicamente, o que está puxando a economia é o emprego. Há dois anos, era o crédito, mas a taxa de juros foi de 4% para 12%. Agora é renda e isso significa comida, proteína animal. E o problemão da inflação. Que leva a mais alta nos juros. E os juros vão crescer ainda mais, na minha opinião. Temos eleição para Presidente, isso vai esquentar os ânimos.

AgroRevenda – Só notícia ruim?
Ricardo Amorim – 
Veja, o Brasil teve problemas fiscais, as questões ESG não atraíram muitos financiamentos, mas o problema fiscal deu uma melhorada e os juros explodiram. E a grana do mundo dos investimentos começou a vir para cá. E o cenário é de alta. Seja por guerra, ações da China, eleição presidencial no Brasil, etc. etc. Preparem-se para um dólar ainda mais depreciado. Logicamente, as vendas externas faturam menos. Só que as importações ganham volume, a economia avança e a chance do Bolsonaro nas urnas cresce bastante. Por último, a pandemia está virando uma outra doença, curável com a vacina. Logo, já passou da hora de tocarmos a nossa vida, ter uma recuperação sem as ‘quebradas’ dos últimos dois anos.

AgroRevenda – E a transformação digital?
Ricardo Amorim – 
Adoro o tema, mas alerto que ele já tem 30 anos de idade. O Agro precisa ter o foco do cliente, aquele que compra carne, tira selfy, posta nas redes sociais, vira marketing, os youtubers. O Agro trabalha com um produto fundamental que é a comida. É o que todos querem. E o meio é digital. Precisa se conectar com a internet, as redes sociais, principalmente com as novas gerações.

AgroRevenda – E como isso funciona?
Ricardo Amorim – 
Gente não se relaciona com empresas. E sim com gente. Nada mais humano. Existe um efeito multiplicador nas redes sociais. Acompanho o tema há três décadas. É uma bola de neve mundial. Porém, todo mundo só falava, mas ninguém fazia nada. Já ganhei prêmios nessa área. Disputando não com empresas gigantes, mas com gente como Felipe Neto, Marcos Mion. Meu filho quase não acreditou nisso. Esses caras são influenciadores de milhões de seguidores e podem fazer um efeito multiplicador sensacional para a cadeia produtiva de carnes. Mas, para acontecer, é preciso focar que comida é fundamental e ESG veio para ficar. É estratégia de negócio. Caso contrário, o segmento pode enfrentar grandes problemas.

AgroRevenda – Mas avança?
Ricardo Amorim –
Vamos pensar um pouco sobre a evolução da renda per capita na história do mundo. Durante mil anos, ela andou de lado. Aí, foi inventada a prensa e as informações começaram a circular no planeta inteiro. Vieram eletricidade, trem à vapor, avião, a era da informação. Em 15 anos, aumentamos mais a renda per capita do que em mil anos. As pessoas comem cada vez mais. Têm dinheiro para comprar proteína animal. Carne bovina, suína, de aves, peixes. Tudo. E é o negócio das empresas de suplementação mineral. A pandemia trouxe programas que só aumentaram a renda das pessoas. E, estruturalmente, as mudanças vão acelerar numa velocidade cada vez mais alucinante. Imagine com essa molecada mexendo em equipamentos inteligentes digitais com apenas cinco anos de idade. Vai ter demanda, transformação, consumo e fome por alimento. Podem acreditar.

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