Até os anos 1980 considerava-se difícil o Brasil atingir o patamar de 60 milhões de toneladas de milho por ano. Entretanto, acréscimos de produtividade, nos quais a tecnologia teve a mais alta relevância, foram fundamentais para se atingir o atual patamar histórico de aproximadamente 100 milhões de toneladas, o que consolida o Brasil como o terceiro maior produtor mundial e o segundo maior exportador desse cereal. Nesse período, a produção de milho no país passou por significantes avanços e adaptações.
O primeiro fator a ser ressaltado é que a produção mudou a época de plantio. Em 2008/2009, 66% da produção foi colhida na primeira safra — plantada no início da estação chuvosa, em setembro/outubro —, enquanto a segunda safra — plantada após a colheita da soja, em janeiro — respondeu por 34%. Esses percentuais se inverteram em 2018/2019, com o milho sucedendo a soja e respondendo por mais de 70% da produção.
A segunda safra ou “safrinha”, viabilizada com o advento de cultivares de soja precoce, possibilitou uma melhor inserção do milho numa segunda época de plantio, mudando o foco de monocultivo para sistemas rotacionados ou em sucessão de produção. O sistema de produção soja/milho, além da adequação de cultivares, exigiu ajustes no espaçamento, densidade de plantio, uso adequado de nutrientes e corretivos e no manejo integrado de insetos e plantas invasoras. Como grande vantagem, esses sistemas permitem a exploração de até três culturas numa mesma área, num mesmo ano.
A produção também mudou espacialmente. Há 10 anos as regiões Sudeste e Sul respondiam por 58% da produção, enquanto, hoje, somente o Centro-Oeste colhe 53% do milho no Brasil, e Mato Grosso passou a ser o maior produtor de milho no país. Em consequência das mudanças nas regiões de plantio, ocorreram também mudanças no tamanho das lavouras, que apresentaram aumentos sem precedentes nos últimos anos. O resultado prático desse processo de aumento do tamanho das lavouras foi favorecer a adoção de tecnologias vinculadas à mecanização.
As tecnologias de sementes também apresentaram mudanças que beneficiaram o aumento da produção de milho no Brasil. Uma dessas mudanças foi a liberação para plantio comercial de sementes geneticamente modificadas (OGM) de milho para controle de insetos (Bt) e de plantas invasoras (RR). Essas sementes OGMs foram liberadas para plantio comercial em 2007, e na safra 2009/2010 foram cultivadas em 37% da área plantada com milho. A adoção das cultivares OGMs foi muito rápida e hoje perfazem aproximadamente 84% do mercado de sementes de milho.
Entre 2009/2010 e 2017/2018, a tecnologia Bt no milho proporcionou um aumento considerável na produção de grãos ao longo dos anos. As estimativas dos ganhos de produtividade por hectare, segundo estudos recentes, variaram entre 12 e 13,7 sacas por hectare no milho verão, e entre 4,9 e 7,7 sacas por hectare no milho de segunda safra. Tais ganhos foram oriundos de um manejo mais eficiente no controle de insetos, proporcionado pela tecnologia, e não por um maior potencial produtivo das cultivares ou do aumento no uso dos insumos.
A genética e o acréscimo da taxa de adoção de sementes certificadas também foram relevantes para o aumento da produtividade do grão no país. Segundo a Associação Paulista de Produtores de Sementes e Mudas, na safra 2018/2019, foram comercializados 19,7 milhões de sacos de semente para uma área plantada de 17,2 milhões de hectares (Conab). Esse quadro dá um indicativo de que a quantidade de sementes salvas e piratas no mercado reduziu substancialmente sua participação no mercado e também que muitos produtores passaram a realizar plantios com uso mais intensivo de sementes (utilizando mais do que um saco padrão de 60.000 sementes/hectare).
Em termos de genética, novamente segundo dados da APPS, na safra 2008/2009, os híbridos simples responderam por 62% do mercado de sementes comercializadas, enquanto esse percentual aumentou para 82,6% na safra 2018/2019. Ou seja, ocorreu uma melhora qualitativa da genética das sementes de milho comercializadas.
A despeito da relevância, as tecnologias de sementes não explicam todo o ganho de produtividade das lavouras brasileiras de milho na última década. Existem ganhos na adoção de tecnologias/conhecimentos de manejo e sistemas de produção que também foram fundamentais. A difusão do Plantio Direto e os Sistemas Integrados de Plantio (ILP ou ILPF) são bons exemplos. Sistemas integrados são mais sustentáveis e facilitam a recuperação de pastagens degradadas, o que permite acréscimos nas áreas de cultivo com lavouras e pastagens sem a necessidade de expansão de novas áreas de floresta ou cerrado.
O milho é uma importante matéria-prima com centenas de aplicações industriais e é um componente primordial na fabricação de ração animal, base da produção de leite, ovos, carne de suínos e aves. Mais recentemente, a produção de etanol de milho passou a agregar maior valor a esse cereal, e pode aumentar a sustentabilidade dessa lavoura em várias regiões brasileiras.
O conhecimento, novas tecnologias, políticas públicas e empreendedorismo permitirão ao Brasil produzir sistematicamente mais de 100 milhões de toneladas de milho, promover a segurança alimentar dos brasileiros e consolidar o Brasil como um grande celeiro mundial, contribuindo para o bem-estar dos 9 bilhões de seres humanos que habitarão nosso planeta em 2050. Esses nove bilhões de consumidores comparecerão ao mercado como compradores, no Brasil, na Ásia, na Europa, na América e, enfim, no mundo inteiro, gerando poderosa alavanca que garante que quem produz sempre terá para quem vender, remunerando, assim, o trabalho realizado e os insumos gastos na produção.
Rubens Miranda, Frederico Durães, João Carlos Garcia, Sidney Parentoni, Derli Prudente Santana, Antônio Álvaro Purcino e Eliseu Alves são pesquisadores da Embrapa
Fonte: Assessoria de Imprensa