Aline Locks – CEO da Produzindo Certo
Com objetivos claros e apoio concreto, é possível colocar todos na mesma onda.
Mudar é desafiador. Requer disposição para adotar novos hábitos, investir recursos, correr riscos e dar tempo para que os resultados apareçam. No campo, onde cada decisão impacta diretamente a produção e a renda, essas transformações demandam coragem, planejamento e suporte técnico.O agronegócio brasileiro já mostrou sua capacidade de transformar desafios em oportunidades. Somos um dos maiores players globais, com mais de 60% do território nacional ainda coberto por vegetação nativa, enquanto desenvolvemos práticas que são exemplos de sustentabilidade. O plantio direto, amplamente adotado há décadas, é uma dessas iniciativas pioneiras, ajudando a conservar o solo e melhorar a produtividade. Além disso, práticas como o uso de palha no solo, integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), uso de biológicos e rodízio de culturas demonstram que a sustentabilidade está no DNA da nossa agricultura.
Ainda assim, a transição para um modelo de agricultura regenerativa, que vá além de conservar e passe a recuperar solos e ecossistemas, traz desafios significativos. Pequenos e médios agricultores enfrentam barreiras importantes, como falta de acesso a tecnologias, recursos financeiros e assistência técnica. Segundo a Associação Brasileira das Entidades de Assistência Técnica e Extensão Rural, Pesquisa Agropecuária e Regularização Fundiária (Asbraer), menos da metade das propriedades familiares no Brasil recebe algum tipo de orientação técnica. Isso não apenas limita o alcance das práticas regenerativas, mas também os deixa mais vulneráveis às crescentes exigências de mercado por produtos sustentáveis. A inclusão desses produtores é essencial, não apenas para garantir uma cadeia produtiva responsável, mas também para democratizar os benefícios da sustentabilidade no campo.
Grandes empresas e coalizões do setor agrícola têm promovido projetos de agricultura regenerativa como parte de suas metas de governança ambiental, social e corporativa (ESG) e descarbonização. No entanto, enquanto corporações conseguem medir benefícios como imagem positiva e cumprimento de exigências de mercado, os produtores frequentemente se sentem pequenos diante dessas iniciativas. Além disso, eles enfrentam custos iniciais, possíveis quedas de produtividade durante a adaptação e dificuldades para visualizar retornos financeiros claros.
Para que esses programas avancem e se perenizem, é crucial que haja uma conversa franca e benefícios tangíveis. A solução passa por uma abordagem regional e adaptada, que considere as realidades locais e conecte interesses de grandes players às necessidades dos produtores. É preciso traduzir o impacto das práticas regenerativas em números e apresentar esses dados de forma clara e transparente. Isso inclui desde incentivos financeiros diretos até benefícios alongo prazo, como solos mais saudáveis e economias no uso de insumos. No final das contas, regenerar não é apenas uma questão de solo, mas de construir um futuro onde sustentabilidade e produtividade caminhem juntas, gerando valor para todos os elos da cadeia. Com objetivos claros e apoio concreto, é possível colocar todos na mesma onda.