Bovinos e os GEEs: o papel da genética e da eficiência alimentar

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Existe um equívoco quando se fala em volume de emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE) pelos ruminantes. Estudos evidenciam que essas espécies animais são responsáveis por apenas cerca de 3,9% dos gases emitidos na atmosfera. Em contrapartida, os veículos de transporte contribuem com cerca de 30%, a geração de eletricidade com combustíveis fósseis mais 30% e a indústria/comércio outros 30%. Além disso, o tempo de ação do metano emitido pelos animais na atmosfera é de 12 anos, enquanto o CO2 lançado ao ar por outras atividades fósseis tem vida útil por 1.000 anos.

Também é importante apontar que, após 12 anos, o metano se transforma em CO2 biogênico e é absorvido pelas plantas por meio da fotossíntese. Ou seja, os bovinos comem o capim novamente e o ciclo recomeça. Em comparação, outras atividades apenas adicionam mais CO2 na atmosfera, acumulando de forma contínua um tipo de GEE que dura cerca de um milênio e que forma um verdadeiro escudo que impede que os raios solares sejam refletidos para o espaço, gerando aquecimento de nossa atmosfera. A questão envolve diferentes interesses, o que leva muitos a se acharem no direito de propagar fake news, como a de que a pecuária é a grande responsável pelas emissões de GEE. Além de ser uma inverdade, isso mancha a imagem da pecuária e do agronegócio como um todo, de um dos setores econômicos mais importantes do país, responsável por aproximadamente ¼ do Produto Interno Bruto (PIB).

Eficiência alimentar – A pequena parcela de gases emitidos pela pecuária está diretamente ligada à eficiência alimentar dos ruminantes. O ponto central é que animais menos eficientes precisam de mais tempo consumindo alimentos para transformar em carne e, portanto, mais tempo gerando GEE. A conta é simples: o animal que possui capacidade para conversão de alimentos em carne de forma mais rápida pode ser abatido em menos tempo e parar de gerar esses gases.

Os bovinos mais eficientes neste quesito possuem conteúdo microbiológico do trato digestivo diferenciado – algo que é regulado pela seleção genética. Isso significa que podemos melhorar de forma contínua, geração após geração, a eficiência alimentar dos animais e, consequentemente, ter maior precocidade de abate. Essa é a grande contribuição da genética para a redução da emissão de gases de efeito estufa.

Já presenciei em fazendas pecuárias, num mesmo lote, animais que consomem até três vezes mais matéria seca do que os mais eficientes – que proporcionam maior retorno ao negócio. Em termos econômicos esse fato tem impacto negativo gigantesco para a lucratividade da propriedade, assim como para o volume de GEE emitido. Para alcançar esse bom nível de seleção genética para qualquer característica produtiva, como a eficiência alimentar, a vaca, que é a verdadeira matriz da indústria da pecuária, tem papel essencial e temos que selecionar para vacas mais produtivas.

Outro fator determinante para a maior ou menor emissão de metano envolve a tecnologia da alimentação dos bovinos. Quanto mais moderna e eficiente, mais contribui para a redução das emissões. Assim, o investimento em insumos nutricionais de maior qualidade é bom para todos, inclusive para o futuro do planeta. Justiça seja feita, a China tem contribuído bastante para esse avanço tecnológico e genético, na medida em que somente compra animais com, no máximo, quatro dentes ou seja, menos de 3 anos de idade. Essa exigência levou os pecuaristas brasileiros a investirem no melhoramento genético, para levar os animais para abate mais cedo. Além disso, são mais bem remunerados, por entregarem para a indústria animais com carne de melhor qualidade.

Cautela na seleção – A seleção genética é essencial para a eficiência alimentar, contribuindo para a redução das emissões de GEE. Porém, o pecuarista não pode olhar apenas para esta característica. Muitos investem nisso porque depositar músculo é muito mais barato, em termos energéticos, do que depositar gordura. Fica aqui um alerta: a presença de gordura na carne significa melhor qualidade no produto final. Além disso, a falta de gordura corporal impacta a reprodução do rebanho, já que novilhas que apresentam menor deposição de gordura não entram em ciclo mais cedo, ou têm mais problemas reprodutivos, como ficarem prenhas quando primíparas, que as que têm reserva de gordura.

Eu explico melhor: a novilha que resulta de genética selecionada apenas para produção de carne e melhor eficiência alimentar vai precisar parir e gerar um novo bezerro – e aí está seu desafio, pois se não tiver reserva de gordura corporal terá problemas na reconcepção, especialmente como primípara ou secundípara. Por isso, destaco que é importante selecionar animais para eficiência alimentar, mas de forma complementar e não como único critério. A solução é a visão holística para unir produtividade e cuidado com o meio ambiente.

O investimento em genética, com o uso de inseminação artificial e escolha adequada dos touros, representa muito pouco em relação aos custos totais da fazenda pecuária e proporciona um retorno que se perpetua nas novas gerações de bovinos. Mesmo assim, inexplicavelmente, há uma certa resistência de pecuaristas – especialmente os pequenos – na adoção dessa biotécnica reprodutiva ou na escolha de touros adequados para a monta natural. Neste campo, temos a felicidade de contar com o trabalho da Associação Brasileira de Inseminação Artificial (Asbia) para democratizar o acesso à Inseminação Artificial visando colaborar cada vez mais com o avanço em produtividade e sustentabilidade da pecuária leiteira e de corte por meio da multiplicação da genética de qualidade.

É importante ressaltar que o mercado de genética mudou muito nesses últimos anos. Menos de 30% das vacas brasileiras são inseminadas, mostrando grande potencial para as biotécnicas reprodutivas, mas cerca de 70% de nossas mais de 70 milhões de vacas, são fecundadas por touros, de monta natural ou repasse e não podemos ignorar a importância do uso de touros geneticamente selecionados. A oferta desse tipo de touros, com frete grátis ou subsidiado em todo o país, está ajudando muito na difusão de material genético de alta qualidade. É dessa forma, de escolha adequada de material genético adequado às necessidades de cada pecuarista, evitando modismos, que seguiremos combatendo falsas informações e contribuindo com a segurança alimentar de milhões de pessoas.

 

José Bento Sterman Ferraz é professor titular de genética e melhoramento animal da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo (FZEA/USP).

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