Presidente do Conselho de Administração da BRF, a gigante mundial das proteínas, explica como as empresas devem agir diante da pandemia e da turbulência econômica mundial
Riba Velasco
Ele começou a trabalhar aos 14 anos, vendendo coleções de livros em uma empresa da família, e nem sonhava em fazer carreira em altos cargos executivos de empresas públicas e privadas. De lá para cá, muita água passou debaixo da ponte da vida desse carioca, engenheiro elétrico e administrador de empresas. Hoje, aos 67 anos, gosta de curtir um fim de semana de três dias, férias de seis semanas por ano, cinco filhos e dois netos. Ele merece. Afinal, poucos brasileiros se meteram em tanta encrenca quanto Pedro Pullen Parente. Saindo-se muito bem em todas as ocasiões.
A vida sempre foi rodeada de política por causa dos tios deputado federal e senador. Transitou da administração pública à privada com desenvoltura, ocupou cargos nos governos de José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer. Foi consultor do Fundo Monetário Internacional (FMI), vice-presidente do Grupo RBS, presidente da Bunge Brasil, colaborador da Prada Assessoria, presidente da Petrobras, além de integrar o Conselho de inúmeras empresas brasileiras. Criou fama de bom gestor em períodos de crise. Tem o dom de influenciar a Bolsa de Valores. Para onde vai, carrega a valorização das ações da empresa que assume. Há dois anos, aceitou o convite para a Presidência Executiva da BRF, uma das maiores companhias de alimentos do mundo, que detém marcas como Sadia, Perdigão, Qualy e Banvit. Mas que penava com problemas graves de gestão, perda de mercados e credibilidade, prejuízo nos negócios.
Em junho do ano passado, Parente cedeu a cadeira ao amigo Lorival Luz e passou a ser ‘apenas’ o presidente do Conselho de Administração da empresa dona das marcas Sadia e Perdigão. Além do comando do board da BRF, é representante no Brasil da General Atlantic, empresa americana de private equity, e sócio da gestora de investimentos EB Capital. É membro do Conselho da Prumo Logística e da americana Continental Grain Company.
Tamanho currículo poderia sugerir um gênio ou um super-homem, que assume desafios e rapidamente inventa fórmulas fantásticas que tiram as corporações de buracos sem fundo em poucas semanas. Nada disso. Nosso carioca é monocórdico, fala suave, mas firme, com voz aveludada, calma, pausada, como um professor. Suas armas não são pirotecnias midiáticas, e sim analisar cenários, conhecer a empresa em detalhes, aprumar o negócio, jogar água na fervura, livrar-se de prejuízos, sanear contas e balanços, pagar e administrar dívidas, conquistar a confiança de parceiros, acionistas e do mercado. Trabalhar, trabalhar, trabalhar. Sem alarde, sustos e gestos espetaculares. Um anti-herói competente. Que entrega resultados, o retorno às margens devidas, o barco de volta ao prumo da regata.
Quem melhor para orientar o Agro Brasil em temos de câmbio enlouquecido, custos de produção nas alturas, Covid-19, pandemônio nas relações entre os Três Poderes, novo presidente dos EUA, ataques internacionais às políticas ambientais brasileiras? Justamente quando Pedro Parente participa da implementação da estratégia ‘Visão 2030 da BRF’, o plano de crescimento que deverá levar a empresa a uma receita anual aproximada superior a R$ 100 bilhões na próxima década, período em que pretende investir mais de R$ 55 bilhões. Uma tacada para a consolidação da sua liderança como uma empresa global de alimentos de alto valor agregado, com marcas fortes, produtos de máxima qualidade e, ainda, mais admirada pelos consumidores, proporcionando a ampliação do retorno e a expansão das margens.
Pedro Parente postou-se na frente do computador de sua casa no fim do ano passado e participou de um debate sobre os rumos da Economia do Brasil em 2021, em um evento de analistas tarimbados, organizado pela Scot Consultoria, um parceiro de sempre da Plataforma AgroRevenda. Não falou tanto, mas desfilou mantras que repetiu praticamente o ano inteiro, convocado que era para aconselhar diante da maior crise financeira, produtiva, comercial e sanitária que o Planeta sofreu nos últimos cem anos. Com você, a sabedoria e a experiência de Pedro Parente.
REVISTA AGROREVENDA – O senhor chegou à BRF em um momento muito delicado, com endividamento e briga entre os sócios. Qual a principal estratégia para enfrentar situações tão adversas?
PEDRO PARENTE – Cheguei à Presidência do Conselho em abril de 2019 e assumi a Presidência pouco depois. Encontrei uma diretoria desestimulada, incompleta, sem plano de sucessão, com um elevado endividamento, sistemas de gestão inexistentes. E olha que tanto Perdigão quanto Sadia eram reconhecidas no passado pelas suas práticas de gestão, especialmente a Sadia. A orientação foi ‘play by the book’. Fazer as coisas básicas e de maneira disciplinada. Planejamento é fundamental, assim como disciplina na execução. O consultor em gestão Vicente Falconi conta uma história que eu acho deliciosa. Ele visitou uma empresa e, conversando com o presidente, soube que ele estava chateado por não ter conseguido cumprir suas metas. Depois, ao fazer uma reunião com os diretores, soube que todos estavam felizes por terem cumprido suas metas. E questionou o presidente: como é que você pode ter um sistema em que os diretores cumprem as metas e você não cumpre as suas? O problema era um desdobramento equivocado de metas. As metas do primeiro nível de execução têm que se consolidar e bater com o segundo nível, que por sua vez precisa bater com as do terceiro nível, que têm que bater com as dos diretores e precisa ser a meta do presidente. Desenvolvemos um sistema de gestão, excelência operacional para resolver o problema das fábricas, fazer o orçamento base zero. E tudo está dando resultado até agora.
REVISTA AGROREVENDA – Mas é tão óbvio assim?
PEDRO PARENTE – Eu sempre digo que a metodologia de gestão é irritantemente simples. O segredo está no cumprimento da metodologia, assim como foi formulada, tanto no planejamento como na execução. É como diz o método PDCA: Faça o plano, implemente, confira e promova melhorias contínuas. Em um PDCA, você precisa ter todas as rotinas padronizadas. Se cada um fizer um processo de um jeito diferente, não tem como padronizar aquela rotina. Na BRF, um dos problemas que enfrentamos é que o mesmo processo era feito de oito formas diferentes nas diversas fábricas. Um era o melhor e os outros não deveriam ser utilizados. Padronize a sua rotina, que você consegue fazer melhorias contínuas. Você vai tentar melhorar seus tempos e resultados olhando benchmarks internos primeiro. Quando isso acaba e você alcançou aquele nível de excelência, você vai procurar benchmarks na sua indústria. Até que chega um ponto em que você se torna benchmark. Você começa a fazer o processo de forma inovadora.
REVISTA AGROREVENDA – O papel do conselho das empresas mudou muito nos últimos anos?
PEDRO PARENTE – Há uma enorme evolução. Antigamente, o conselho era para aprovar contas. Hoje, eles têm uma atenção multifacetada. Começa na definição dos números estratégicos, passa pela gestão de riscos, talentos, pelo processo sucessório, em especial do CEO, pelas questões de segurança dentro da empresa, atendimento ao cliente, cuidados com o meio ambiente. Precisa dar uma atenção especial a questões sociais, à correta e proativa presença da empresa nas comunidades onde atua. É um olhar bastante abrangente, em todas as direções. Mas sem focar o detalhe, sob o risco de perder a visão do todo. E não é incomum ver nos conselhos, em função da origem dos seus membros ou da história da empresa, uma tendência de tirania nos detalhes, que é inadequada e inapropriada para a função. Isso gera choque com a gestão, que é o nível de execução dentro das empresas. O executivo tem que prestar contas ao conselho, que precisa acompanhar o resultado. Na BRF, fizemos um processo de formulação estratégica em conjunto, conselho e comitê executivo. Deu muito certo. Acompanhamento com a participação dos membros do conselho, comitê executivo e alguns vice-presidentes e diretores, que são peças-chave no processo de formulação estratégica.
REVISTA AGROREVENDA – Como o senhor vê a atual situação política e econômica do Brasil?
PEDRO PARENTE – Teve uma época na Petrobras que eu estava tão indignado, que qualquer provocaçãozinha de jornalista eu vinha cuspindo fogo. O fato é que este Governo tem nas mãos uma oportunidade extraordinária. Eu não me lembro, e já passei por vários governos, de ter visto um Governo com a possibilidade de fazer reformas estruturais com o apoio da sociedade como este. De um lado, com mais acertos que erros, há uma boa conceituação dos problemas e dos caminhos a serem percorridos para alcançar os resultados. No entanto, o que a gente observa é que no Governo como um todo não existe uma consistência. Existe uma incerteza muito grande se o Governo, de fato, pensa de maneira inequívoca, verdadeira, de que os caminhos que são defendidos pela área econômica são os caminhos a serem percorridos, ou se as coisas são comunicadas e manifestadas ao sabor de uma pressão ou de uma necessidade pública de dar uma satisfação. Há um conjunto de atitudes, também, que jogam contra. É essa falta de consistência, essa incerteza sobre o que de fato acredita esse Governo que deixa os investidores com o pé atrás.
REVISTA AGROREVENDA – A sociedade mudou muito em sua opinião?
PEDRO PARENTE – A sociedade e os políticos estão mostrando um nível de maturidade que não existia antes. Os políticos, para mim, de uma maneira surpreendente, não estão se mostrando, na intensidade que eu vi em outros governos, com tanto medo de votar a favor da redução de direitos, como a gente assiste agora. Portanto, se houvesse essa consistência, essa firme determinação, um rumo claramente traçado, com fé em determinada direção, de um liberalismo econômico lado a lado com a responsabilidade social, esse país estaria bombando. E seria um porto seguro.
REVISTA AGROREVENDA – Onde é melhorar trabalhar: no setor público ou privado?
PEDRO PARENTE – São compensações diferentes. Tem uma compensação no serviço público difícil de encontrar no setor privado. Por exemplo: liderar o comitê da crise de energia do apagão, em 2001 e 2002, aplicando sistemas e regras de gestão. Aquele processo deu certo de maneira extraordinária, a ponto de não ser preciso cortes compulsórios de energia. Neste caso, a abrangência do que você faz é muito maior, embora as variáveis sob o seu controle sejam muito menores. Por outro lado, é um risco trabalhar no setor público. Você não ganha o mesmo em relação ao setor privado e pode ser processado. Dado o tipo de controle que é exercido no setor público, em que a ênfase é no processo e não no resultado, os níveis de controle são diversos. Alguém pode levantar qualquer questãozinha e abrir um processo contra você. Ou, por razões políticas, os sindicatos são contra o que você faz e entram com ações populares na justiça. Eu saí da Petrobras, por exemplo, com 54 processos. Tem coisas boas e coisas ruins dos dois lados do balcão. Mas é muito mais difícil você ser executivo no setor público. Há a estabilidade, você não pode mandar embora. E tem a isonomia, não pode diferenciar por mérito. Existem muitos funcionários públicos que são sérios, dedicados e querem fazer um trabalho pelo prazer de servir ao público. Mas tem aqueles que não querem. Não adianta dar ordem, ameaçar. No setor privado, eu brinco que a gente manda e eles obedecem. Você pode mandar embora, adotar ações coercitivas, dentro da lei, claro. Mas o melhor é a oportunidade de diferenciar por mérito.
REVISTA AGROREVENDA – Como vai ser 2021?
PEDRO PARENTE – Assim como em 2020, uma nova época de incertezas. Temos toda a discussão, principalmente para o agronegócio, da questão principal sobre o que vai ocorrer com o câmbio. Fala-se de R$ 4,8 a R$ 6, o que atrapalha bastante qualquer tipo de planejamento empresarial e público. Minha preocupação fundamental é com a economia brasileira. Os desafios fundamentais estão colocados. Alguns setores vão continuar se dando bem, como as commodities e as proteínas animais, em que a BRF está inserida. E a dupla demanda que vem da China, com suínos e bovinos, um enorme desafio. Não dá para saber exatamente o que vai ocorrer. Temos a questão da inflação, provocada pelo desequilíbrio fiscal das contas públicas. Vai explodir? Vai continuar a Covid-19? Vai haver apoio do Governo Central? Mas é quase certo que os agropecuaristas vão continuar bem, assim como nos últimos anos, quando o segmento segurou a economia brasileira e garantiu os ganhos da balança comercial do País.
REVISTA AGROREVENDA – Mas, no geral, o mundo vai crescer ou vai ter recessão?
PEDRO PARENTE – É difícil saber. Muita gente acha que sim. Eu não tenho bola de cristal, nem sou economista, não faço previsão. Mas eu não tenho dúvida de que uma das causas para a redução do nível de crescimento da atividade econômica deriva da guerra comercial. Não foi por falta de aviso que as pessoas responsáveis fizeram isso. É uma quadra que requer muita atenção dos gestores, que devem trabalhar no ‘safety side’. Tem que aproveitar as oportunidades de maneira cuidadosa, não dar um passo maior que a perna. Não é hora de fazer graça.
REVISTA AGROREVENDA – Vai crescer ou ter recessão?
PEDRO PARENTE – O mundo está passando por um período de forte instabilidade. Guardadas as devidas proporções, um período semelhante a este eu lembro de ter vivido quando houve o ataque às torres gêmeas, em 2001, ou a crise de 2008. É um processo contínuo, em que se vê guerra comercial, polaridade crescente, um clima de animosidade, atrito, confrontação. Difícil prever. O ideal é estar preparado e se planejar para todos os cenários.
REVISTA AGROREVENDA – Continuaremos abastecendo a China com carnes bovina e suína?
PEDRO PARENTE – É uma questão importantíssima. A China vem se recuperando das perdas severas na produção de suínos, investindo em granjas altamente tecnificadas. Com o frango também, mas aí já é com um ciclo bem menor. Na carne bovina, não, eles não conseguem resolver. A questão é quando os chineses vão voltar a se abastecer minimamente, mesmo que não integralmente, o que nunca ocorreu, na verdade. Vai durar dois anos? Três anos? Ainda não sabemos. Temos uma questão importante a levar em consideração. Não acho que essa demanda por suínos seja uma coisa que vai ficar assim, sempre. Não vai. A China vai voltar a produzir de forma importante a proteína suína. E o nosso setor tem o desafio de aproveitar a maré altamente favorável do momento e se preparar para sobreviver de outra forma, com novas demandas. Que até podem ser em torno de milho e soja. Não é uma mudança para ficar, de longo prazo, as empresas têm que estar preparadas. É como dizemos: sete anos de bonança para outros anos em que pode haver redução da demanda.
REVISTA AGROREVENDA – E como o senhor vê o PIB do Brasil para 2021?
PEDRO PARENTE – Eu acho que o tema-chave é gerar expectativa favorável nos agentes econômicos, que são os que criam condições positivas para o Brasil crescer. Mas o Governo não tem conseguido gerar essas expectativas. Eles falaram de várias reformas para este ano e nada ficou em pé. A agenda de condições macroeconômicas favoráveis ficou atrás da recessão e de pequenos crescimentos que acompanhamos nos últimos anos. Alguns setores vão se beneficiar, como os de exportação, outros agentes internos de produção de bens essenciais, como alimentos, produtos de valor agregado. Mas o conjunto da economia brasileira, um crescimento sustentável de todos os setores, está difícil de energizar pelo ambiente da política do Governo, que está mais preocupado com factoides, como os que envolvem a China.
REVISTA AGROREVENDA – Mas o senhor gosta da atuação da ministra do MAPA, não?
PEDRO PARENTE – Quero fazer um destaque especial ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento na atuação da ministra Tereza Cristina. Um trabalho muito consistente, lógico e com olhar no longo prazo. É extraordinário o que a ministra está fazendo pelo Agronegócio, pela balança comercial e pela economia do Brasil.
REVISTA AGROREVENDA – O senhor confia na recuperação da economia e da sociedade brasileiras em 2021?
PEDRO PARENTE – Sim, absolutamente. Por um simples motivo: as soluções dos nossos problemas estão dentro do nosso País, para todas as questões relevantes. Não precisamos esperar nada de fora para resolver as questões de peso que enfrentamos e que encontraremos pela frente.
REVISTA AGROREVENDA – Para terminar, uma curiosidade. Os vegetais moídos e prensados, conhecidos como ‘carne vegetal’, são um desafio ou uma oportunidade para a indústria brasileira?
PEDRO PARENTE – São as duas coisas. Não existe indústria no mundo, qualquer que seja ela, que não esteja hoje sob desafio. Estamos indo para uma quadra de mudança de paradigmas e isso não é uma coisa promovida pela tecnologia, mas sim pelo consumidor, que está ficando diferente. Cada vez mais preocupado com alimentação saudável, com a preservação do meio ambiente, em saber não só o que está comendo, mas como isso foi feito. Nesse sentido, a proteína vegetal, sem dúvida nenhuma, é um tema em que todos nós do segmento estamos prestando atenção. Tem várias questões envolvidas: será possível produzir em escala? É mesmo tão saudável? São muitas as questões.
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