19 de janeiro de 2012

A história recente da pecuária leiteira paulista

Marcelo Pereira de Carvalho* e Maria Beatriz Tassinari Ortolani*

A pecuária leiteira de São Paulo, nos últimos 20-25 anos, foi afetada pela abertura de mercado, períodos de altos índices de inflação e entrada maciça do leite longa vida. Esses fatores foram responsáveis pela queda da participação do leite paulista na produção brasileira. O incontrolável aumento de preços ocasionados na época do ex-presidente Collor e o aumento das importações que até então eram reguladas pelo governo deram início à desestabilização da atividade. Concomitantemente, o leite pasteurizado começou a perder espaço para o longa vida e alguns produtores de leite iniciaram a migração para outras culturas mais atrativas. Todos esses recentes acontecimentos fizeram com que a história do leite paulista fosse fatalmente marcada. Hoje, São Paulo responde por apenas 5% do total de leite que é produzido no país frente a uma representatividade de 14% nos anos 90, segundo dados do IBGE.

No início da década de 90, o Brasil abriu seus mercados. Assim, sem a regulamentação do governo, foi possível utilizar a alternativa da importação de leite para auxiliar no combate à inflação. Como solução para os problemas da economia interna, muitas pessoas começaram a importar grandes quantidades de leite para fazer capital de giro. Havia naquela época grande incentivo do governo, com linhas de financiamentos e facilidades para pagamento de até um ano. Foi nesse momento que a principal cooperativa paulista começou a perder forças e, com ela, a pecuária leiteira do Estado.

Essa desregulamentação dos preços do leite pelo governo trouxe um impacto importante para a atividade. Uma vez liberado o preço, foi possível que as indústrias tivessem margem de manobra na negociação. Era possível fazer diferenciação de preços pagos ao produtor e, com isso, a seleção dos melhores pecuaristas. Essa habilidade de negociação não foi positiva para todas as empresas, pois as cooperativas tinham políticas internas muito restritas de pagamento entre os cooperados. Nessa oportunidade, outras empresas lácteas surgiram investindo fortemente em marketing e assediando os produtores de seu interesse.

Nesse período, o leite longa vida começou a crescer e a sobressair-se frente ao leite pasteurizado. Devido a sua maior vida de prateleira, o longa vida permitiu que o leite viesse de outras regiões brasileiras, e grandes centros como a cidade de São Paulo, deixaram de ser tão dependentes das regiões produtoras vizinhas. Com possibilidade de trazer leite de regiões mais distantes, Paraná, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Goiás aproveitaram para ocupar espaço no mercado paulista.

O longa vida também foi interessante para a concentração do varejo, pois a possibilidade de comprar leite de diversos lugares dava às grandes redes de supermercados o poder de barganha. Como não havia a necessidade da cadeia de frio, era possível armazenar o produto com um custo muito menor. Além disso, a logística ficou mais facilitada, pois não era mais preciso realizar a compra diariamente.

A praticidade do longa vida também conquistou os consumidores. Em uma época em que a inflação chegava a quase 30% ao mês, as pessoas podiam comprar leite e estocá-lo em casa e, de certa forma, transformavam o dinheiro em leite.

O leite pasteurizado, que era o principal produto da pecuária leiteira de São Paulo, foi perdendo seu espaço não só para o leite longa vida, mas também para a agricultura. O cenário apresentado e a possibilidade de investir em uma cultura mais atrativa fizeram com que empresários do leite olhassem para culturas como cana-de açúcar ou laranja.

Dentro dessa “seleção natural”, havia de um lado uma débil identidade cultural com a atividade leiteira e de outro, um cenário industrial crescente. A produção de leite do Estado parecia andar na contramão em relação ao resto do país: enquanto a produção nacional aumentava, a paulista decrescia. Em muitos estados havia política de atração de investimentos, incentivo fiscal para instalação de fábricas e financiamentos para compra de matrizes, essas ações não eram observadas em São Paulo. Em contrapartida, alguns grandes empresários paulistas resolveram investir com recursos próprios nas fazendas leiteiras e buscaram, de maneira diferenciada, as melhores tecnologias – no Brasil ou em outros países – e formando assim, ilhas de produção dentro do Estado.

Em resumo, é olhando para trás que se entende melhor o presente. Foram os acontecimentos do passado recente como a economia nacional e o desenvolvimento de tecnologias industriais que possibilitaram o destaque do longa vida, entre outros fatores, explicam a situação atual da pecuária paulista.

* Marcelo Pereira de Carvalho Piracicaba é diretor executivo da AgriPoint e coordenador do MilkPoint e Maria Beatriz Tassinari Ortolani é coordenadora de conteúdo e analista de mercado do MilkPoint.

Fonte: Site MilkPoint.

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